terça-feira, 6 de outubro de 2015

ADOÇÃO

Intuitu personae é uma expressão latina que significa "por ânimo pessoal". Portanto, adoção intuitu personae é a adoção consensual, que ocorre quando a mãe biológica manifesta interesse em entregar a criança à pessoa conhecida, sem que esta se faça presente no Cadastro Nacional de Adoção. Com as mudanças trazidas pela Lei nº 12.010/09, tornou-se dificultoso esse tipo de adoção, visto que a norma restringe significativamente os casos em que esta pode ser legalmente reconhecida.

Porém existem decisões judiciais e posições doutrinárias que opõe-se ao disposto na Lei, visando ao melhor interesse do menor nos casos onde este já estabeleceu vínculos com o seu adotante. Desse modo, a formalidade da “lista” de adoção é deixada de lado e os laços afetivos criados entre adotante e adotado prevalecem, sempre em benefício do menor.

Surge, então a problemática em relação a como devem ser vistos os casos de adoção intuitu personae: de modo formal, sem que sejam levados em conta os interesses da criança, mas sim a determinação legal do Cadastro Nacional, ou respeitando os interesses no bem estar do menor, mesmo que a adoção não tenha seguido as formas legais.

Palavras-chave: Adoção. Intuitu personae. Adoção Direta. Melhor interesse do menor. Afetividade. Cadastro Nacional de Adoção. Estatuto da Criança e do Adolescente

1 Introdução              
O presente estudo tem como objetivo discorrer sobre os casos de adoção intuitu personae sob a égide daLei nº 12.010/09, que regulamenta, em seu artigo 50, parágrafos 1º a 14º, os cadastros de adotáveis e candidatos à adoção. 

A problemática abordada é a da adoção por casal não inscrito no Cadastro Nacional de Adoção quando, por vontade da mãe biológica, a criança é entregue a conhecidos.

Anteriormente à Lei nº 12.010/09, não havia vedação expressa a este tipo de adoção. A jurisprudência costumava admiti-la desde que fosse comprovada a formação de vínculo entre a criança ou adolescente e os pais adotivos, levando em consideração os laços de afeto entre os mesmos.

Trataremos nesse artigo das alterações feitas por esta lei, que reduziu significativamente as possibilidades de adoção intuitu personae, ou adoção direta, e que traz polêmica e divergências em sentenças proferidas para cada caso concreto.

Foram utilizados para a confecção do trabalho doutrinas, jurisprudências, monografias e artigos científicos.

2 Cadastro Nacional de Adoção
O Cadastro Nacional de Adoção é uma ferramenta criada para auxiliar juízes das varas da infância e da juventude na condução dos procedimentos de adoção.

O pretendente à adoção somente poderá ser inserido no sistema pela Comarca de seu domicílio, portanto deve e habilitar-se na Vara da Infância e da Juventude de sua Comarca. O próprio Juiz ou seu auxiliar realizará o cadastro no sistema após a formalização do procedimento de habilitação. Com a inserção no CNA (Cadastro Nacional de Adoção), todos os Juízes de todo o país terão acesso à relação dos pretendentes à adoção, devidamente habilitados.

Para a habilitação, devem ser preenchidos os requisitos e apresentada a documentação. O candidato será chamado para uma entrevista com uma Assistente Social, onde serão abordadas as suas motivações para adoção. Após a entrevista, a lei exige que os adotantes passem por cursos de orientação, onde aspectos jurídicos, psicológicos e sociais da adoção são abordados. Cumprindo essas etapas, o adotante terá o nome incluso no CNA.

As crianças e adolescentes inclusos no CNA são as que estão aptas para adoção, e não aquelas que ainda têm vínculo jurídico com suas famílias de origem, pois, nesses casos, deve-se priorizar o retorno dessas crianças para o convívio familiar.

A lei não estabelece critérios para a fixação da posição na “fila” de adoção. Em alguns Estados ou Comarcas existe apenas a ordem cronológica, enquanto que em outros, leva-se em consideração outros dados dos pretendentes como, por exemplo, se são estéreis ou se possuem outros filhos, o que possibilitaria uma antecipação de posição na ordem do Cadastro.

Por uma questão de melhor apresentação das listas de pretendentes, buscados pelo perfil da criança/adolescente, os resultados apresentados pelo CNA são exibidos da seguinte forma: pretendentes do Foro Regional (nos casos de mais de uma Vara na mesma Comarca); pretendentes da Comarca; pretendentes da Unidade da Federação; pretendentes da Região Geográfica; pretendentes das demais Regiões Geográficas, em todos os casos, por ordem cronológica de habilitação. [1]

3 Adoção intuitu personae
Também conhecida como adoção direta ou pronta, é a modalidade em que os pais biológicos – na maioria dos casos, a mãe, visto que o pai normalmente é ausente ou desconhecido – concordam na colocação do filho em família substituta e indicam quem será o adotante. A mãe determina a pessoa para a qual quer entregar seu filho. O ato de definir a quem entregar o filho é chamado de intuitu personae, ou seja, em razão da pessoa, ou pessoal.

Com as modificações impostas pela Lei nº. 12.010/09, foram reduzidas significativamente as possibilidades de adoção intuitu personae conforme a nova redação do artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente e do parágrafo 13 deste mesmo dispositivo:

§ 13.  Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: 

I - se tratar de pedido de adoção unilateral; 

II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; 

III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts.237 ou 238 desta Lei. 

Dessa forma, o candidato não cadastrado deve se enquadrar em uma das exceções previstas para que possa adotar, eliminando aquele que é escolhido simplesmente por vontade da mãe biológica.

A intenção do legislador ao vetar esse tipo de adoção é fazer com que não sejam adotadas crianças por motivos escusos, tais como por meio de pagamentos e para fins obscuros. Porém ao deixar de lado a escolha da mãe e o afeto da criança, percebem-se as falhas na Lei, a qual Maria Berenice Dias chega a chamar de “lei anti-adoção”[2], justamente por serem esquecidos um dos principais benefícios visados pela adoção: o melhor interesse do menor. O interesse da criança e a afetividade acabam por ser sacrificados, visto que, nesses casos, normalmente a criança já foi entregue ao adotante e já criou vínculos com o mesmo.

4 Formalidade versus afetividade
A atual legislação deixa dúvidas em relação à formalidade do seguimento impositivo da lista de adoção, pois, se isso ocorrer, será deixado de lado o princípio do melhor interesse do menor, que, em muitos dos casos, já criou relações de afeto com o adotante mesmo sem este estar incluído no CNA. 

A posição atual da doutrina costuma censurar o texto limitador do § 13 do art. 50, por afrontar, em muitos casos, o melhor interesse da criança.

Conforme Maria Berenice Dias, nada permite a retirada da criança de seu lar, pois deve ser averiguado primeiramente o seu interesse. 

Deste modo, quando uma criança se encontrar sob a guarda de fato de alguém que não esteja habilitado, ou sem que tenha sido respeitada a ordem de inscrição, ao invés de retirá-la de onde se encontra, deve o juiz determinar o seu acompanhamento por equipe interdisciplinar. 

A providência excepcional do abrigamento e a entrega ao inscrito em primeiro lugar só cabe quando o laudo elaborado por equipe interdisciplinar se manifestar pela conveniência da medida e que esta é a melhor solução para atender ao interesse da criança. [3]

Para a jurista, chega a ser inconstitucional a obrigatoriedade da observância do Cadastro, pois são desrespeitados o princípio do melhor interesse do menor e o direito à convivência familiar.

O entendimento de outros magistrados também segue a mesma linha. A repercussão da Lei nº 12.010/09 nas decisões judiciais tende a priorizar o bem estar da criança ou adolescente, conforme jurisprudência do TJRS de caso julgado em 2012:

APELAÇÃO. FAMÍLIA E ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. GUARDA DE CRIANÇA. MÃE BIOLÓGICA QUE NÃO REVELA CONDIÇÕES DE CUIDAR DO MENINO. CASAL QUE, EMBORA NÃO HABILITADO EM LISTA DE ADOÇÃO, JÁ SE ENCONTRA COM A CRIANÇA, TRATANDO-A COMO FILHO, HÁ MAIS DE UM ANO E SEIS MESES, PORTANTO, DESDE QUE O MENINO POSSUÍA DIAS DE VIDA. RETIRADA ABRUPTA DO MEIO FAMILIAR EM QUE INSERIDO QUE VIOLA OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE, SEJA PELO TEMPO DECORRIDO, SEJA PELO MELHOR INTERESSE DO INFANTE, CONSIDERANDO SUAS ADEQUADAS CIRCUNSTÂNCIAS FAMILIARES E VÍNCULO DE AFETO EXISTENTE. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70048223564, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto Carvalho Fraga, Julgado em 29/08/2012) [4]

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sidnei Beneti, em decisão de recurso especial também sentenciou em favor do princípio do melhor interesse do infante:

A observância do cadastro de adotantes, ou seja, a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar determinada criança, não é absoluta. A regra comporta exceções determinadas pelo princípio do melhor interesse da criança, base de todo o sistema de proteção. Tal hipótese configura-se, por exemplo, quando já formado forte vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que no decorrer do processo judicial. [4]

5 Conclusão
De todo o exposto, conclui-se que os casos de adoção intuitu personae são constantes em nosso ordenamento jurídico, e não há como censurá-los cegamente sem levar em consideração o interesse do menor. 

Por melhor que tenha sido a intenção do legislador, existem falhas a serem sanadas na lei, pois não se pode ignorar essas adoções, até mesmo porque, em grande parte dos casos, a jurisprudência demonstra que esse tipo de adoção acaba por ser válido, justamente por visar o melhor à criança. É direito da mãe biológica escolher os adotantes de seu filho, pois essas pessoas são escolhidas exatamente por poderem dar melhores cuidados à criança e, na maioria das vezes, têm vínculos com o menor mesmo antes de ocorrer a adoção.

É claro que existem casos em que a adoção é tomada por motivos obscuros, porém, ao invés de tirar a criança do lar em que convive de imediato e mandá-la a um abrigo, poderia ser feito o acompanhamento disciplinar, assim como ocorre com os casais candidatos a adotantes. Se fosse constatado que os adotantes não estão cumprindo seus deveres e garantindo os direitos da criança, o juiz determinaria o abrigamento da mesma, mas somente após a realização do estudo, garantindo, assim, o bem estar, melhor interesse e direito à convivência familiar saudável do infante, além do direito de escolha da mãe biológica.

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