segunda-feira, 14 de setembro de 2015

BLOG MANEIRO

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CONTRATO DE SEGURO

CONTRATO DE SEGURO
1.       Conceito

O Código Civil define o contrato de seguro como aquele pelo qual o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. (art. 757). É inquestionável a importância de um contrato nesta sociedade de consumo de massa como importante instrumento de socialização dos riscos.

2.       Regência Normativa

As regras elementares do contrato de seguro estão previstas no Código Civil, mas sua regulamentação vai muito além da codificação. Outro microssistema de extrema importância é dos planos privados de assistência à saúde, que na essência são contratos de seguros, mas possuem regulamentação específica pela Lei 9.656 de 03/06/1998.

3.       Classificação

Dentre as características do contrato de seguro, podem ser apontadas, dentre outras:

a)       bilateral, já que impõe obrigações para ambos os contratantes. Ao segurador, a garantia de um interesse legítimo; ao segurado, o pagamento do prêmio.
b)       Oneroso, por estabelecer vantagens, mas também os correlatos sacrifícios patrimoniais de ambas as partes.
c)       Consensual, pois se aperfeiçoa com a manifestação de vontade das partes
d)       Aleatório: diante da incerteza que paira sobre a ocorrência do risco coberto pelo contrato. A configuração do risco é conhecida no meio técnico como “sinistro”.

Ressalta-se que não é pacífica a caracterização do contrato de seguro como aleatório. Juristas como Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel afirmam que o contrato seria comutativo simplesmente pelo fato de ser oferecida uma garantia durante toda a vigência do contrato. (TZIRULNIK et AL TARTUCE, 2014)
e)       De Adesão: Pois o Conteúdo é definido prévia e unilateralmente pela seguradora, sem participação do segurado na definição das cláusulas.

4.       O Segurador

4.1.  Autorização para Funcionamento

Somente entidade autorizada para tal fim poderá figurar como parte seguradora no contrato de seguro.
(art. 757, p. único). A autorização é dada pelo Governo Federal e as complexas regras de autorização para funcionamento estão previstas na Lei 8.177/1991, e nos Decretos-Lei 73/1996 e 2.063/1940.

4.2.  Grupos Restritos de Ajuda Mútua

Devido ao alto grau de investimento e exigência para atuação no mercado securitário, algumas entidades passam a atuar sem a autorização do governo, mas se caracterizam por serem grupos restritos de ajuda mútua, caracterizada pela autogestão. Tais entidades não se confundem com as seguradoras, pois elas apenas recolhem quotas de seus associados para protegerem seus respectivos membros de infortúnios.

A doutrina refere-se a esta modalidade de autoajuda de seguro-mútuo.

O próprio Decreto-Lei 2.063/40 cuida de regulamentá-los. E o Enunciado n. 185 do CJF reconhece a possibilidade de sua existência e funcionamento:

185 – Art. 757: A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão.

Este tópico sobre os grupos restritos de ajuda mútua levanta a questão sobre a legalidade da comercialização do seguro automotivo por associações e cooperativas. Elas seriam classificadas como sociedade que atuam com seguro mútuo? A atividade é ilegal?

Em resposta a tais indagações, a própria SUSEP (Superintendência de Seguros Privados e Capitalização) afirma que tais entidades não têm acompanhamento técnico das operações, o que representa sério risco para os segurados. Mas é resposta soa como uma defesa corporativista da autarquia que quer proteger o mercado contra “intrusos” não autorizados:

Associações e Cooperativas: isso é seguro?
Algumas associações e cooperativas estão comercializando ilegalmente seguros de automóveis com o nome, por exemplo, de "proteção", "proteção veicular", "proteção patrimonial", dentre outros.
Como essas associações e cooperativas não estão autorizadas pela Susep a comercializar seguros, não há qualquer tipo de acompanhamento técnico de suas operações.
A única forma legal dessas associações e cooperativas atuarem é como estipulantes de contratos de seguros, ou seja, contratando apólices coletivas de seguros junto a sociedades seguradoras devidamente autorizadas pela Susep, passando a representar seus associados e cooperados como legítimos segurados.
Portanto, antes de contratar um falso seguro, consulte o nome da sociedade seguradora no sítio eletrônico da Susep e leia as condições gerais do contrato de seguro.[1]

Não me parece, portanto, que o objeto social de tais entendidas, seja qual for a sua forma (sociedades, associações, fundações ou cooperativas) é ilícito. A falta de um acompanhamento técnico, talvez, seja ainda um fator de risco no momento de se associar à entidade. A questão não é tanto de ilegalidade, mas de credibilidade.

O interessante é que, no âmbito do TJMG, são encontrados precedentes que afirmaram ser ilícito o objeto social das associações que se dedicam clandestinamente no mercado de seguro. Vejamos:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS - EQUIPARAÇÃO À SEGURADORA - PRELIMINAR - OBJETO ILÍCITO - NULIDADE - EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. A apelante não pode funcionar como seguradora e nada mais é um contrato de seguro o que foi praticado nestes autos. O seu objeto é ilícito e, portanto juridicamente impossível o pedido inicial. A solução é sua nulidade.

V.V. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.07.482613-2/001, Relator(a): Des.(a) Nicolau Masselli , Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Batista de Abreu , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/04/2009, publicação da súmula em 26/06/2009)

E um mais recente:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS POR ACIDENTE DE TRÂNSITO - ART. 757, § ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL - EXIGÊNCIA DE ENTIDADE LEGALMENTEAUTORIZADA - ASSOCIAÇÃO -OBJETO ILÍCITO - PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

O parágrafo único do art. 757 do Código Civil dispõe que somente pode ser parte no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

Deve-se julgar extinto o processo sem resolução do mérito quando a ré não é uma entidade legalmente autorizada para celebrar contratos de seguro, diante da ilicitude do objeto e consequente impossibilidade jurídica do pedido. (
Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.13.076452-5/001)

O que causa surpresa é que, neste último caso, a entidade tinha sido demanda pelo “possível” associado para reclamar o pagamento de danos no veículos (possivelmente). Durante o processo a ré alegou preliminar de ilegitimidade passiva, aduzindo que o autor, ao tempo do sinistro, estava associado a outra instituição.

Acontece que o Juiz de Direito indeferiu a preliminar, daí a razão para a interposição do Agravo de Instrumento. O recurso não foi provido, mas para a felicidade da Agravante, o TJMG extinguiu o processo sem julgamento do mérito, afirmando que a atividade é ilícita.

Ficam aqui duas críticas: em primeiro lugar é questionável se a atividade é realmente ilícita, pois nada impede que um grupo de pessoas, movidas pelo senso de auto-ajuda, decidam compartilhar certa quantia, como se fosse um consórcio, para o pagamento dos danos previamente definidos. Em segundo lugar, a extinção do processo no caso acima (1.0024.13.076452-5/001) foi extremamente prejudicial ao agravado, pois ainda que o objeto da associação fosse nulo, seria enriquecimento ilícito a entidade receber o valor do seu membro, a título de prêmio, sem retribuir com o pagamento acordado pelo grupo de associados.

5.       Prova do Contrato de Seguro

5.1.  O Sofisma do Artigo 758

O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou, na falta desta, pelo respectivo comprovante de pagamento do prêmio. Assim diz o art. 758 do Código Civil.

Mas fica aqui uma incoerência gritante: se o contrato de seguro é consensual, se ele se forma com a manifestação de vontade, por que eleger um ou dois documentos como prova da existência do negócio?

O art. 758 é uma verdadeira falácia!

Aliás, num caso interessante e recente (REsp. 1.306.367/SP), o STJ julgou um caso em que uma pessoa comprou um veículo e, no dia seguinte, adotou todos os procedimentos necessários à contratação do seguro – preencheu proposta, encaminhou para a corretora de seguros, submeteu o veículo à vistoria e indicou conta bancária para o débito do prêmio. 13 dias depois o que ocorreu? O roubo do veículo segurado. Mas a seguradora até então não tinha efetuado o débito nem tinha dado qualquer resposta ao proponente. Foi só depois do sinistro, quando o segurado ligou para o pagamento da indenização, que a seguradora passou a alegar que havia restrições no CPF de um dos condutores (motivos fajutos) e que isto seria a causa da demora. Diante da recusa do pagamento, o segurado ingressou em juízo e obteve êxito nas duas instâncias. Ou seja: não se pode listar, como faz o art. 757, quais são os meios de prova da existência do contrato de seguro. Vale a leitura do acórdão! Segue a Ementa:

DIREITO CIVIL. DIREITO DOS CONTRATOS. SEGURO. CONTRATO CONSENSUAL. MOMENTO EM QUE É CONSIDERADO PERFEITO E ACABADO. MANIFESTAÇÃO DE VONTADE, AINDA QUE TÁCITA. CONTRATAÇÃO JUNTO À CORRETORA. PREENCHIMENTO DA PROPOSTA COM AUTORIZAÇÃO DE PAGAMENTO DO PRÊMIO POR DÉBITO EM CONTA. SINISTRO. OCORRÊNCIA ANTES DA EMISSÃO DA APÓLICE. NEGATIVA DE COBERTURA. DESCABIMENTO.
1. O seguro é contrato consensual e aperfeiçoa-se tão logo haja manifestação de vontade, independentemente de emissão da apólice - ato unilateral da seguradora -, de sorte que a existência da avença não pode ficar a mercê exclusivamente da vontade de um dos contratantes, sob pena de ter-se uma conduta puramente potestativa, o que é, às expressas, vedado pelo art. 122 do Código Civil. 
2. O art. 758 do Código Civil não confere à emissão da apólice a condição de requisito de existência do contrato de seguro, tampouco eleva tal documento ao degrau de prova tarifada ou única capaz de atestar a celebração da avença.
3. É fato notório que o contrato de seguro é celebrado, na prática, entre a corretora e o segurado, de modo que a seguradora não manifesta expressamente sua aceitação quanto à proposta, apenas a recusa ou emite, diretamente, a apólice do seguro, enviando-a ao contratante, juntamente com as chamadas condições gerais do seguro. Bem a propósito dessa praxe, a própria Susep disciplinou que a ausência de manifestação por parte da seguradora, no prazo de 15 (quinze) dias, configura aceitação tácita da cobertura do risco, conforme dispõe o art. 2º, caput e § 6º, da Circular Susep n. 251/2004.
4. Com efeito, havendo essa prática no mercado de seguro, a qual, inclusive, recebeu disciplina normativa pelo órgão regulador do setor, há de ser aplicado o art. 432 do Código Civil, segundo o qual "[s]e o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa". Na mesma linha, o art. 111 do Estatuto Civil preceitua que "[o] silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa". Doutrina e precedente. 
5. No caso, não havendo nenhuma indicação de fraude e tendo o sinistro ocorrido efetivamente após a contratação junto à corretora de seguros, ocasião em que o consumidor firmou autorização de pagamento do prêmio mediante débito em conta, se em um prazo razoável não houve recusa da seguradora, só tendo havido muito tempo depois e exclusivamente em razão do sinistro noticiado, há de considerar-se aceita a proposta e plenamente aperfeiçoado o contrato. Deveras, vulnera os deveres de boa-fé contratual a inércia da seguradora em aceitar expressamente a contratação, vindo a recusá-la somente depois da notícia de ocorrência do sinistro e exclusivamente em razão disso.
6. Recurso especial não provido.

5.2.  Procedimento para o Aperfeiçoamento do Contrato de Seguro

Pelo que foi exposto, não se pode afirmar peremptoriamente que é a apólice ou o comprovante de pagamento do prêmio que provam a existência do contrato de seguro, como o faz o art. 758. O contrato é mesmo consensual, pois se aperfeiçoa com a manifestação das partes. Acontece que precede à manifestação volitiva dos contratantes um pequeno procedimento.

5.2.1.         Proposta

Como nos contratos em geral, mas de uma forma mais detalhada, primeiro o interessado deve preencher uma proposta escrita (fase de puntuação) com declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. (se for do tipo automotivo, os dados do veículo, o local de risco, se tem garagem coberta, se o veículo tem garagem no trabalho, a idade do condutor etc).

5.2.2.         Vistoria e Exame Médico

Nos seguros de dano (o de veículos é o maior exemplo), procede-se em seguida a uma vistoria, que tem o escopo de assegurar que o objeto segurado realmente existe e que é segurável.

A vistoria está para o seguro de dano, assim como o exame médico está para o seguro de vida e o de saúde. No entanto, as seguradoras ignoram esta parte do procedimento para otimizar seus resultados. Para tanto, pedem apenas que o segurado assine uma declaração médica na qual o proponente apenas assinala alguns campos, afirmando se já se submeteu ou não a algum procedimento cirúrgico, se tem alguma doença, se já ficou internado etc.

Neste momento o proponente deveria agir com boa fé e informar eventuais ocorrências anteriores, mas muitas vezes a proposta é assinada em branco. O corretor, afoito pela comissão, debita o prêmio e comemora o recebimento da comissão. A seguradora, por sua vez, confirma o negócio.

No entanto, posteriormente ocorre o sinistro – morte, doença incapacitante, necessidade de procedimento cirúrgico e cuidados médicos etc – e a seguradora acaba por alegar, em sua defesa, a conhecida tese do “mal pré-existente”. Alega que o segurado não faz jus ao capital ou à cobertura contratada por violação da boa fé, eis que localizou inúmeros prontuários médicos anteriores que comprovam que o segurado padecia de alguma enfermidade e que isso deveria ter sido informado na fase pré-contratual.

Como decidir uma questão como esta? Afinal, o segurado está de má fé por violar o dever de informação, mas a seguradora assumiu o risco da contratação sem tomar as devidas precauções.

5.2.3.         A Tese do Mal Pré-Existente e a Boa Fé na Fase de Preliminar do Contrato de Seguro

Dois são os julgados mais relevantes do STJ sobre esta questão. O primeiro é da 4ª Turma:

CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. DOENÇA PREEXISTENTE. SONEGAÇÃO DE INFORMAÇÃO. PROPÓSITO DELIBERADO DE FRAUDAR CONTRATO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA.
1. É indevido o pagamento de indenização decorrente de contrato de seguro de vida se constatado que a parte segurada, ao firmar o ajuste, agiu com o propósito deliberado de fraudar o contrato, sonegando informações relevantes acerca de seu estado de saúde. Precedentes.
2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1.003.302/SP)

Neste caso a seguradora saiu vitoriosa, pois comprovou que o falecido segurado padecia de etilismo crônico (um estágio avançado do alcoolismo) e que faleceu de cirrose hepática. No entanto, no momento da proposta, o segurado deixou de informar que tinha se submetido a internações e tratamentos médicos anteriores, o que ficou comprovado nos autos.

O segundo precedente é da 3ª Turma, que também compõe a 2ª Seção do STJ:


EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CARÁTER EXCLUSIVAMENTE INFRINGENTE. ACLARATÓRIOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO. EXAME PRÉVIO. NECESSIDADE. DOENÇA PRÉ-EXISTENTE. CONHECIMENTO PELO SEGURADO. MÁ-FÉ. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7 DO STJ. 
1. A doença preexistente pode ser oposta pela seguradora ao segurado quando houver prévio exame médico ou prova inequívoca da má-fé do segurado. Precedentes específicos. 2. Embargos declaratórios recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. (EDcl no Ag 1162957/DF)

Este julgado sintetiza muito bem o que se deve aprender com a pergunta formulada: A alegação de mal pré-existente no seguro de vida ou de saúde pode ser oposta em dois casos:

è  Quando houver prévio exame médico ou
è  Prova inequívoca da má-fé do segurado

A diferença é que, neste último precedente (EDcl no Ag 1162957/DF), o STJ confirmou o entendimento das instâncias inferiores de que não havia prova da má fé do segurado. Assim, quem logrou êxito na demanda foi o segurado ou os beneficários.

Em um caso mais recente (AgRg no REsp 1.215.413/MT), foi constatado novamente que segurado agiu de má fé, pois foi comprovado o diagnóstico prévio de “corpulmonale[2], crise asmática e diabetesmellius”.

5.2.4.         Prazo de Análise da Proposta. Silêncio Qualificado

Voltando ao procedimento, após a vistoria/exame (se for o caso), a corretora – no contrato de seguro sempre haverá um intermediador – repassa a proposta para a seguradora, que tem 15 dias para decidir se aceita ou não a proposta, sendo que a ausência de manifestação por parte da seguradora, no prazo de 15 (quinze) dias, configura aceitação tácita da cobertura, conforme dispõe o art. 2º, caput e § 6º, da Circular Susep n. 251/2004.

5.2.5.         A Apólice e o Bilhete de Seguro

5.2.5.1.    Conceito

A apólice e o bilhete são documentos que concentram as informações mais importantes do contrato. A diferença é que o bilhete é documento mais simplificado, de bolso, como uma passagem de transporte interestadual. Dentre outras informações, a apólice menciona os dados do segurado, o objeto segurado, a vigência do contrato e as coberturas. Num seguro automotivo, por exemplo, constará a cobertura contra casco, que cobra avarias no próprio veículo segurado, e possivelmente contra terceiros, por danos materiais ou morais. 

5.2.5.2.    A Apólice de Seguro de Vida

Certas apólices, como a de seguro de vida, que possuem coberturas contra morte e invalidez, são dotadas de atributos de certeza e liquidezm a ponto de serem considerados títulos executivos extrajudiciais, nos termos do art. 585, III, do CPC, de tal forma que o segurado, ou os respectivos beneficiários, podem ingressar diretamente com uma ação de execução contra a companhia seguradora para exigir o pagamento do capital segurado, em caso de recusa indevida quanto ao pagamento do capital segurado.   

5.2.5.3.    Conteúdo

Como dito, a lei exige que a apólice e o bilhete tenham um conteúdo mínimo, pois devem mencionar os riscos assumidos (riscos cobertos ou interesses legítimos segurados), o início e o fim de sua validade (vigência), o limite da garantia e o prêmio devido (coberturas), e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário. (art. 760)

5.2.6.         Classificação

O Art. 760 tem péssima redação, pois ao estabelecer que a apólice e o bilhete serão nominativos, à ordem ou ao portador, a lei fez uma mistura grotesca e não atendeu ao princípio da operabilidade. Isso porque, a rigor, tanto um título nominativo como o ao partador podem ser à ordem ou não. Para facilitar a compreensão, é melhor traçar uma breve classificação com diferentes critérios, conforme abaixo:

5.2.6.1.    Quanto à Indicação do Segurado ou Beneficiário

a)       Títulos Nominativos e ao Portador

As apólices e bilhetes nominativos são os que indicam a pessoa do beneficiário, enquanto que os títulos (apólice e bilhete) ao portador são aqueles que não fazem esta indicação. Numa expressão leiga, os títulos ao portador são títulos em branco.

Aqui há uma exceção importante: No seguro de pessoas (vida e saúde), a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador. (art. 760, p. único)


5.6.1.2. Quanto à Forma de Circulação

a)       Títulos à Ordem e Não à Ordem

Tanto uma como outra espécie, apólice e bilhete nominativos ou ao portador, podem circular por endosso ou cessão civil de crédito. Isso dependerá se o título apresentar a cláusula à ordem ou não à Ordem. Os da primeira espécie (títulos à ordem) são transferidos mediante endosso, um ato cambial próprio da sistemática dos títulos de crédito, que serve para transferir a titularidade do crédito e, como regra, vincula o endossante ao pagamento da obrigação materializada no título. Só por curiosidade, em alguns títulos de crédito a cláusula à ordem é essencial, sob pena de nulidade, como é o caso das duplicatas (art. 2º, da Lei 5.474/76) e em outros é um elemento facultativo, como é o exemplo do cheque (Lei 7.357/85).

b)       Regras Específicas para a Circulação/Tranferência da Apólice e do Bilhete

Apesar de o Código Civil traçar uma classificação que aproxima a apólice e o bilhete dos títulos de créditos, ele acaba por impor algumas condições ou requisitos para a transferência do título a terceiros que acabam por afastar tais documentos da natureza dos títulos cambiais.

Em primeiro lugar, a transferência a terceiros é válida e juridicamente possível, salvo disposição contratual em sentido contrato (art. 785, caput). Ou seja, o contrato de seguro pode impedir a transferência do título a terceiros.

Geralmente as seguradoras vedam a transferência a terceiros, até porque se isso fosse feito sem prévio conhecimento das companhias, não seria possível a avaliação do risco, o que comprometeria inclusive todo o grupo segurado. Além disso, em uma rápida pesquisa pela internet é fácil localizar a cláusula que condiciona a transferência da apólice a terceiros mediante a autorização da seguradora. A título de exemplo, observe como essa disposição vem redigida nos manuais dos contratos:

Sua apólice corresponde aos dados que foram submetidos e aceitos pela Sul América. Ela não pode ser transferida ou cedida a terceiros, mesmo que venda seu veículo, sem prévia comunicação e expressa concordância da Seguradora.[3]

 Portanto, a regra do art. 785 quebra a sistemática da circulação dos títulos à ordem, pois não adianta uma apólice ou bilhete ostentar esta cláusula, vez que a transmissão inter vivos somente é admitida com expressa autorização da seguradora. Diante disso, não há motivos para classificar uma apólice ou bilhete como títulos à ordem, que na essência podem ser transferidos independentemente da anuência do devedor.

Aliás, é nítido que o Código Civil, quando trata da circulação, tem em vista a cessão civil de crédito e não o endosso como forma de circulação. Isso fica nítido no art. 785,§1º:

Art. 785. Salvo disposição em contrário, admite-se a transferência do contrato a terceiro com a alienação ou cessão do interesse segurado.

§ 1o Se o instrumento contratual é nominativo, a transferência só produz efeitos em relação ao segurador mediante aviso escrito assinado pelo cedente e pelo cessionário.

Em reforço ao argumento de que o regime de transferência da apólice ou bilhete está no próprio art. 290, dispositivo específico da cessão civil de crédito:

Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.

Com efeito, em havendo autorização contratual para a transmissão inter vivos, ainda é preciso que o cedente e o cessionário notifiquem a seguradora se a apólice for da espécie nominativa.
Para finalizar, vejo outra incongruência no §2º do art. 785, pois ele prescreve que a apólice ou o bilhete à ordem só se transfere por endosso em preto, datado e assinado pelo endossante e pelo endossatário. Na verdade onde o legislador mencionou “à ordem”, deve-se entender “ao portador”, pois assim como está previsto na lei não faz sentido algum. Título à ordem é uma coisa e o ao portador é outra. É o título ao portador que não indica quem é o beneficiário e que deve, portanto, ser transferido – não por endosso – mas por cessão civil.

Ou seja, é muita falta de técnica e desconhecimento dos institutos relacionados à transmissão dos títulos representativos de créditos!

c)       Súmula 465 do STJ (Cessão Forçada do Contrato de Seguro)

Como visto, o contrato de seguro pode impedir a transferência do contrato a terceiros e assumir com isso o caráter personalíssimo. Nesta hipótese, o segurado embora esteja impedido de transferir o contrato, pode vender o veículo. E sobre a transferência do veículo o STJ editou a Súmula 465: “Ressalvada a hipótese de efetivo agravamento do risco, a seguradora não se exime do dever de indenizar em razão da transferência do veículo sem a sua prévia comunicação.”

Para ilustrar, imagine a seguinte situação: a madeireira X contratou seguro para um caminhão Scania com a seguradora Z. O prêmio foi integrante pago, mas a madeireira X vendeu este veículo para madeira Y, que pagou o preço mediante a realização de um contrato de arrendamento mercantil (leasing). Acontece que o caminhão, já em posse da compradora-arrendatária, foi roubado. Diante disso, a empresa de arrendamento mercantil (leasing), que é a dona do veículo (foi ela que pagou o preço), ingressou com a ação de cobrança da cobertura securitária, mas a seguradora recusou o pagamento, alegando que não houve comunicação da venda do caminhão, falta do dever de informação, quebra da boa fé, que o contrato de seguro é celebrado levando-se em consideração a pessoa do segurado.... Apesar do esforço, a seguradora levou a pior, pois o STJ entendeu que não houve agravamento do risco porque a empresa que adquiriu o veículo (madeireira Y) atuava no mesmo ramo que o segurado. Além disso, como o prêmio foi integralmente pago e o sinistro ocorreu durante a vigência da apólice, seria enriquecimento sem causa da seguradora deixar de pagar a garantia contratual.

A Súmula 465 do STJ, a meu ver, ignora completamente os deveres anexos de colaboração, lealdade e confiança da boa fé. Inclusive, ela acaba por criar uma espécie de cessão obrigatória do contrato de seguro. O caso pode ser visto em detalhes no REsp 600.169-ES, que foi ementado nos seguintes termos:

“[...] I - A empresa-demandante não pleiteia em juízo direito alheio, mas sim próprio, decorrente da aquisição da propriedade dos bens segurados. II - Restou consignado nas Instâncias ordinárias, que, além da transferência da propriedade do bem segurado não ser vedada em lei, não houve qualquer majoração dos riscos, pois o então adquirente desempenhava o mesmo trabalho do contratante originário; III - São fatos incontroversos nos autos que a Seguradora recebeu o pagamento do prêmio pontualmente e o sinistro ocorreu em período coberto pela apólice contratada, devendo, por isso ser responsabilizada pela indenização, sob pena de incorrer em enriquecimento sem causa, [...]”

6.       O Prêmio. Principal Obrigação do Segurado

6.1.  Conceito

Em troca da garantia de proteção ao seu legítimo interesse, cabe ao segurado a principal obrigação de pagamento de uma quantia pecuniária que será destinada a um fundo que servirá para o pagamento dos valores devidos em caso de sinistro. Esta contraprestação tem o nome de prêmio. Muitos operadores do direito, inclusive juízes, fazem confusão terminológica dizendo freqüentemente que o segurado faz jus ao “prêmio”. Não se pode confundir uma coisa com outra. Prêmio é a contraprestação paga pelo segurado e não o valor ou a proteção recebida em caso de sinistro.

6.2.  Mora no Pagamento do Prêmio, Purgação da Mora e Direito à Cobertura Securitária

O devedor deve cumprir a obrigação no tempo, local e modo ajustados no contrato. Este comportamento é corolário do dever de lealdade é deve ser observado. No entanto, algumas obrigações têm um termo certo para serem cumpridas e outras não, sendo diversos os procedimentos para a exigência de uma e outra.

6.2.1.         Mora Ex Re

A mora ex re é aquela que se configura automaticamente com o vencimento da dívida. Ela dispensa qualquer tipo de interpelação, por parte do devedor (dies interpellat pro homine), pois a obrigação tem uma data certa para ser cumprida. Neste caso, todos os efeitos moratórios são produzidos desde então.

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

6.2.2.         Mora Ex Persona

Por outro lado, algumas obrigações não estão sujeitas a um termo certo e determinado para serem adimplidas, de modo que, para a caracterização da mora e do inadimplemento, é preciso uma iniciativa do credor, que se realiza mediante notificação do devedor para o cumprimento. Só após a interpelação, portanto, é que se poderá falar em mora e em notificação.

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

6.2.3.         Mora do Pagamento do Prêmio no Contrato de Seguro

6.2.3.1.    Previsão Legal (art. 763)

De acordo com o art. 763 do Código Civil, não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.

Como se vê, a lei dispõe que a mora do segurado é automática (ex re), pois para se purgar a mora é preciso estar caracterizada a mora. Assim, se o segurado não pagar o prêmio até a data estipulada, ocorrendo o sinistro antes da quitação do valor em atraso (quitação), ele não teria direito à indenização.

Sucede que este comando legal não é aplicado dessa forma pelos Tribunais. Alias, como se verá, mesmo se o segurado estiver em atraso a segurado deve efetuar o pagamento do prêmio, devendo deduzir do valor pago os valores em atraso. Seria muita condescendência para com os maus pagadores?

Em seguida analisaremos algumas orientações doutrinárias e teses que gravitam em torno do art. 763.

6.2.3.2.    Mora Ex Personae. Entendimento Doutrinário e Jurisprudencial

Ao contrário do que indica o art. 763, para a doutrina e jurisprudência a mora não é automática (ex re), mas ex persona, pela necessidade de notificação prévia do segurado para constituí-lo em mora. Inclusive a jurisprudência pacífica do STJ considera nula a cláusula resolutiva expressa (art. 474[4]), que considera extinto o contrato pela falta de pagamento do prêmio na data do vencimento.

Argumentos para tais entendimentos é o que não falta. Para se ter uma idéia, nas jornadas de Direito Civil foi aprovado o seguinte Enunciado:

Enunciado n. 376, da IV Jornada:

376 - Para efeito de aplicação do art. 763 do Código Civil, a resolução do contrato depende de prévia interpelação.

Os responsáveis pelo Enunciado acima, Guilherme Couto de Castro e Marcos Jorge Catalan, não apresentaram, no meu ponto de vista, argumentos sólidos para justificar este posicionamento. Chegaram a mencionar argumentos de autoridade, ao dizer que no direito comparado é preciso a notificação prévia (direito português, italiano e espanhol). Ademais, mencionaram proposta de alteração do art. 763 que pretende incorporar no texto a necessidade de interpelação e disseram que as seguradoras contabilizam lucros astronômicos que ultrapassam, no Brasil, os 40 bilhões de reais anuais. (CASTRO; CATALANapud TARTUCE, 2014)

Mas não há dúvida alguma que a jurisprudência do STJ acolhe este posicionamento, como se infere do julgado abaixo (AgRg no REsp 1.255.936/PE):

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. SEGURO. VEÍCULO. NEGATIVA DE COBERTURA. ATRASO NO PAGAMENTO DE PRESTAÇÕES. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO DA MORA. SÚMULA 83/STJ. 1. O atraso no pagamento de prestações do prêmio do seguro não determina a resolução automática do contrato de seguro, exigindo-se a prévia constituição em mora do contratante pela seguradora, mostrando-se indevida a negativa de pagamento da indenização correspondente. 2. Incidência da súmula 83/STJ. 3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

Mas tudo tem seu limite. Em certo julgado o STJ reconheceu que o atraso de 15 meses, sem a devida notificação, configurou situação de abuso, e aí sim entendeu-se que o segurado estava em atraso (em mora). Veja a ementa do julgado (REsp 842.408/MG):

SEGURO DE VIDA. ATRASO NO PAGAMENTO. AUSÊNCIA DE INTERPELAÇÃO. - Normalmente, para que se caracterize mora no pagamento de prestações relativas ao prêmio é necessária a interpelação do segurado. Mero atraso não basta para desconstituir a relação contratual. - A cláusula de cancelamento do seguro sem prévia notificação deixa de se abusiva, se o segurado permanece em mora há mais de 15 (quinze) meses. - Em homenagem à boa-fé e à lógica do razoável, atraso superior a um ano não pode ser qualificado como "mero atraso no pagamento de prestação do prêmio do seguro" (REsp 316.552/PASSARINHO, grifei). A ausência de interpelação por parte da seguradora não assegura, no caso, o direito à indenização securitária.

6.2.3.3.    Crítica

Então qual seria o limite de tolerância jurídica da inadimplência? 5, 6, 7, 15....? O certo é que tal resposta não pode ser dada sem muito esforço argumentativo. Talvez ela varie em função das circunstâncias sociais e econômicas...

De qualquer forma, o argumento principal utilizado pelos tribunais e pelos doutrinadores para fazer valer esta tese se encontra no art. 51, I do CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

É que o mencionado artigo é de uma abrangência tão ampla que pode servir de molde para argumentos de todos os gêneros, do tipo “eu não te pago porque você fatura milhões”. Quer dizer, na forma, o argumento seria: a cláusula de resolução automática é nula porque é iníqua (?), abusiva (?), porque cola o consumidor em desvantagem exagerada (?), porque incompatível com a boa fé e equidade (?). No fundo o argumento é basicamente aquele: “eu não te pago porque você fatura milhões”.



6.2.3.4.    E ainda tem a Tese do Adimplemento Substancial

Que diferença faz a falta de pagamento de uma parcela? O STJ há muito já vinha entendendo desde 1995 que o atraso no pagamento de apenas uma prestação do prêmio não autoriza a seguradora a dar por extinto o contrato (REsp 76.362/MT):

SEGURO. INADIMPLEMENTO DA SEGURADA. FALTA DE PAGAMENTO DA ULTIMA PRESTAÇÃO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. RESOLUÇÃO. A COMPANHIA SEGURADORA NÃO PODE DAR POR EXTINTO O CONTRATO DE SEGURO, POR FALTA DE PAGAMENTO DA ULTIMA PRESTAÇÃO DO PREMIO, POR TRES RAZÕES: A) SEMPRE RECEBEU AS PRESTAÇÕES COM ATRASO, O QUE ESTAVA, ALIAS, PREVISTO NO CONTRATO, SENDO INADMISSIVEL QUE APENAS REJEITE A PRESTAÇÃO QUANDO OCORRA O SINISTRO; B) A SEGURADORA CUMPRIU SUBSTANCIALMENTE COM A SUA OBRIGAÇÃO, NÃO SENDO A SUA FALTA SUFICIENTE PARA EXTINGUIR O CONTRATO; C) A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DEVE SER REQUERIDA EM JUIZO, QUANDO SERA POSSIVEL AVALIAR A IMPORTANCIA DO INADIMPLEMENTO, SUFICIENTE PARA A EXTINÇÃO DO NEGOCIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

O acórdão não deixa a situação muito clara, mas parece que no caso a seguradora não tinha notificado o segurado para a constituição da mora. Portanto a questão que fica é: a tese do adimplemento substancial se aplica até mesmo se a seguradora promover a notificação para a constituição da mora?

Parece-me que a resposta pode ser encontrada no julgamento do REsp 415971/SP que apenas a falta de pagamento da última parcela pode ser considerado inadimplmento substancial:

Civil. Art. 1450 do Código Civil. Inadimplemento de contrato de seguro. Falta de pagamento de mais da metade do valor do prêmio. Indenização indevida pelo sinistro ocorrido durante o prazo de suspensão do contrato, motivada pela inadimplência do segurado. - A falta de pagamento de mais da metade do valor do prêmio é justificativa suficiente para a não oneração da companhia seguradora que pode, legitimamente, invocar em sua defesa a exceção de suspensão do contrato pela inadimplência do segurado. - Apenas a falta de pagamento da última prestação do contrato de seguro pode, eventualmente, ser considerada adimplemento substancial da obrigação contratual, na linha de precedentes do STJ, sob pena de comprometer as atividades empresariais da companhia seguradora.

Por fim, registra-se que a Teoria do Adimplemento Substancial vem sendo aplicada em inúmeros contratos, como no arrendamento mercantil e na alienação fiduciária, retirando do credor a alternativa da reintegração de posse ou busca e apreensão, conforme o caso, forçando-o a optar pela execução dos valores vencidos.

E no âmbito doutrinário foram editados dois enunciados sobre o tema nas Jornadas de Direito Civil:

361 – Arts. 421, 422 e 475. O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.

371 - A mora do segurado, sendo de escassa importância, não autoriza a resolução do contrato, por atentar ao princípio da boa-fé objetiva.

6.3.  Caráter Comutativo do Prêmio e Aleatório da Garantia

O contrato deve ser classificado como comutativo ou aleatório se houver ou não, respectivamente, certeza quanto à exigência do seu cumprimento, seja qual for sua extensão ou condições. Dessa maneira, a prestação do segurado é comutativa porque, a teor do artigo 764 do CC, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio.

Isto é, a prestação do segurado é líquida e certa e será exigida necessariamente. Já a cobertura, ou a garantia securitária, pode variar em sua extensão. Basta imaginar um seguro de dano, como o de incêndio, por exemplo, que é obrigatório no condomínio edilício (art. 1.346[5]). Entenda-se: o valor da indenização pode variar conforme a extensão do dano (art. 944), aliás o seu montante está vinculado à extensão do prejuízo.

Mesmo assim, as apólices contemplam um valor máximo da cobertura, que no jargão securitário é chamado de Importância Segurada (I.S), no seguro de dano. 50.000,00 reais para danos materiais, por exemplo. Mas o que eu quero dizer é que, independentemente desta previsão que impõe um limite à garantia, a prestação da seguradora não perde a natureza aleatória, pois é incerto se o risco vai ou não se implementar (roubo, furto, colisão etc).

7.       A Boa Fé Objetiva e o Contrato de Seguro

7.1.  Considerações Iniciais

Este tópico sem dúvida é um dos mais repletos de exemplos em matéria de contratos. A relação da boa fé com o contrato de seguro é tão próxima que já constava até do Código Civil de 1916:

Art. 1443. O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

Elevado à categoria de princípio geral, a boa fé como visto é mencionada em diversos dispositivos da parte geral, art. 113, 187 e 422, de onde se extraem as suas funções interpretativa, de controle e integrativa, respectivamente. E também tem consectário no capítulo do contrato de seguro, no art. 765, um dos mais importantes dispositivos desta modalidade contratual. Vejamos:

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

Em arremate, frisa-se que tudo o que foi exposto a respeito da boa fé quando do estudo da parte geral se aplica ao contrato de seguro, a exemplo do que se viu sobre a aplicação da boa fé nas fases pré-contratual, fase contratual e pós-contratual, sobre as funções da boa fé, deveres anexos e institutos relacionados, como a surrectio, supressio, venire contra factum propriumduty to mitigate the own lost etc.

7.2.  Exemplos de Aplicação da Boa Fé Objetiva na Fase Pré-Contratual

7.2.1.         A Tese de Mal Pré-existentes nas Apólices Contratadas sem Exame Médico

a)       Jurisprudência

Esta polêmica foi abordada quando do estudo da fase preliminar do contrato de seguro. Como visto, a posição do STJ é a de que: “[...] A doença preexistente pode ser oposta pela seguradora ao segurado quando houver prévio exame médico ou prova inequívoca da má-fé do segurado. [...]” (EDcl no Ag 1162957/DF)

b)       Dever de Informação e Lealdade na Fase Pré-contratual

O posicionamento do STJ acima citado alinha-se ao que está disposto no artigo 766, caput e p. único do CC:

Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.

Está em sintonia porque, em havendo prova inequívoca da má fé, o segurado perde o direito à garantia. Por outro lado, se não houver prova da má fé (ônus da seguradora), podem acontecer duas situações distintas:

è  A declaração inexata ou circunstância não revelada são descobertas antes da ocorrência do sinistro: abre-se a possibilidade da seguradora exigir a resolução do contrato.
è  A declaração inexata ou circunstâncias são apuradas após a verificação do sinistro. Neste caso, a seguradora deve efetuar o pagamento, mas tem direito de receber a diferença do prêmio.

Anote-se que a tese de mal pré-existente é uma argumentação da seguradora no sentido de que o segurado violou o dever de informação (anexo da boa fé) no momento pré-contratual, mas muitas é ela que acaba por violar a boa fé no momento de execução do contrato, ao quebrar a legítima expectativa do segurado.

Em certo caso, por exemplo, o segurado foi acometido por um tumor cerebral maligno, tendo que se submeter em caráter emergencial à intervenção cirúrgica e tratamento quimioterápico, mas os procedimentos foram recusados pela seguradora, que justificou aduzindo que a doença não havia sido informada na declaração de saúde assinada. Como não houve prova inequívoca da má fé na fase pré-contratual, quem pagou a conta no final foi a seguradora. E mais: neste caso o segurado ainda logrou receber R$ 50.000,00 a título de compensação por danos morais (REsp 880.035-PR)

Por fim, vale registrar que o entendimento sobre esta matéria também foi objeto de Enunciado no CJF:

372 - Em caso de negativa de cobertura securitária por doença pré-existente, cabe à seguradora comprovar que o segurado tinha conhecimento inequívoco daquela.

7.3.  Exemplos de Aplicação da Boa Fé Objetiva na Fase Contratual

7.3.1.         Cláusula Limitativa do Tempo de Internação Hospitalar

A cláusula que limita o tempo de internação hospitalar do segurado é abusiva, nos termos da Súmula 302 do STJ: "É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado". Mesmo diante da expressa previsão contratual de uma cláusula limitativa como esta, há quebra da legítima expectativa e frustração do dever de lealdade, colaboração e proteção do segurado. Por isso a violação ocorre no momento da execução do contrato.

No caso dos plano de saúde, que na essência é um contrato de trato sucessivo e contínuo, seus efeitos estão subordinados às modificações legislativas ocorridas com o tempo. Assim, não adiante a seguradora argumentar que antes da Lei 9.656/98 era possível a limitação das diárias de internação, pois o Código de Defesa do Consumidor, norma de ordem pública, aplica-se ao contrato, mesmo tendo sido editado após a data da contratação do seguro.

1. Aplicação da Lei 9.656/98 a contratos anteriores à sua vigência. Embora as disposições do aludido diploma legal, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, não retroajam para atingir contratos celebrados antes de sua vigência (quando não adaptados ao novel regime), a eventual abusividade das cláusulas pode ser aferida à luz do Código de Defesa do Consumidor. Isto porque "o contrato de seguro de saúde é obrigação de trato sucessivo, que se renova ao longo do tempo e, portanto, se submete às normas supervenientes, especialmente às de ordem pública, a exemplo do CDC, o que não significa ofensa ao ato jurídico perfeito" (AgRg no Ag 1.341.183/PB, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 10.04.2012, DJe 20.04.2012). Precedentes. 2. Recusa indevida, pela operadora de plano de saúde, da cobertura do custeio de tratamento médico do beneficiário. Ainda que admitida a possibilidade de previsão de cláusulas limitativas dos direitos do consumidor (desde que escritas com destaque, permitindo imediata e fácil compreensão), revela-se abusiva a cláusula do contrato de plano de saúde excludente do custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento clinico ou do procedimento cirúrgico coberto ou de internação hospitalar. Precedentes. (AgRg no AREsp 300954-SP)
 
7.3.2. Dever de Minorar as Próprias Perdas (Duty to Mitigate the own Lost)

Não é porque o segurado tem direito a uma indenização securitária que ele não precisa fazer nada para evitar a majoração dos danos. Aliás, há dispositivo expresso no contrato de seguro que impõe este dever ao segurado: Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências.

Em certo caso (REsp 256.274-SP), houve um incêndio na cozinha de um hotel que tinha apólice de seguro com cobertura para este tipo de evento. Por questões que não vem ao caso, a seguradora recusou-se ao pagamento num primeiro momento, mas acabou sendo condenada judicialmente. Sendo assim, além dos danos emergentes suportados pelo segurado com a danificação do cômodo, instalações e utensílios, o segurado também suportou danos com lucros cessantes, pois, afinal de contas, deixou de atender clientes no período em que a cozinha necessitava de reformas.

No entanto, com o pagamento do valor integral da garantia contratada para cobrir os danos emergentes, (isso em 04.10.84), o segurado deveria utilizar este valor para efetivar os reparos no local e minorar as consequências de seu prejuízo. No entanto, o segurado recebeu o valor, não efetivou os reparos da cozinha, e executou contra a seguradora um valor residual que entendeu devido a título de lucros cessantes.

7.3.2.         A Tese do Agravamento do Risco

7.3.2.1.    Previsão Legal

Outra tese muito utilizada pelas seguradoras para se eximir do pagamento da garantia contratada é a tese do agravamento do risco. Esta tese se baseia na falta do dever de informação e lealdade do segurado durante a fase de cumprimento do contrato, pois ele é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé. (art. 769)

Em tal situação, se a seguradora for comunicada, ela poderá, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.

Além do mais, a perda do direito à garantia também se dá, com mais razão, se o segurado agravar intencionalmente o risco objeto do contrato (art. 768) Passemos então à análise de algumas situações específicas e diretamente relacionadas com os artigos mencionados:

7.3.2.2.    Embriaguez 

 Vários problemas podem surgir quando o assunto é embriaguez no contrato de seguro. Vamos abordá-los por partes.

a)       Embriaguez como Causa Determinante do Acidente.

A primeira polêmica a se analisar centra-se nas seguintes questões: O segurado que conduz o veículo embriagado, mas que tem o carro danificado por culpa de terceiro perde o direito à cobertura? Em termos mais técnicos: A embriaguez, por si só, pode ser considerada uma causa de exclusão da cobertura securitária pelo agravamento do risco?

Para ilustrar, imagine o exemplo de um segurado que ingeriu bebida alcoólica em um bar em limite muito acima do legalmente permitido e voltou para a casa dirigindo o veículo. Porém, no caminho de volta o segurado passa por um cruzamento, mas é atingido violentamente por outro carro, cujo condutor desrespeitou o sinal vermelho, que acabou por ocasionar a morte do segurado. Suponha que o laudo do IML constatou que a vítima tinha ingerida quantidade excessiva de bebida alcoólica. Neste caso a seguradora poderia alegar a tese de agravamento do risco?

Em recente decisão, julgada em 25/11/14 e publicada no DJe em 10/12/14 (AgRg no AREsp 289002-MG), o STJ entendeu que “[...] a embriaguez, por si só, não configura a exclusão da cobertura securitária em caso de acidente de trânsito, ficando condicionada a perda da indenização à constatação de que aembriaguez foi causa determinante para a ocorrência do sinistro. [...]”

Portanto, a orientação do STJ está firmada neste sentido. Inclusive o relator do acórdão destacou duas decisões anteriores, uma da Terceira Turma (AgRg no AREsp 57.290/RS) e outra da Quarta Turma (AgRg no REsp 959.472/PR) que seguiram este entendimento.

Ainda sobre esta questão, o STJ já entendeu, no caso de um condutor que estava alcoolizado e morreu após bater num poste, que não haveria necessariamente prova do nexo entre o acidente e a embriaguez e reformou a decisão do TJPR que tinha excluído dos beneficiários o direito à garantia (REsp 1.012.490-PR). Não concordo com a posição do Tribunal Superior, porque isso para mim é literalmente “forçar a barra”, pois para mim é muito clara a ligação entre a batida no poste e o estado de embriaguez do condutor.

Em resumo, para o STJ a embriaguez só é agravamento do risco e, portanto, causa excludente da garantia, se ela for a causa determinante do acidente (conditio sine qua non). A pergunta que deve ser feita é: o acidente teria ocorrido mesmo sem o estado de embriaguez? Para o exemplo acima, a resposta é afirmativa e, portanto, os beneficiários do seguro de vida teriam direito à garantia contratual.

b)       Empréstimo do Veículo e Acidente com o Comodatário Embriagado

Outra questão levantada em relação à embriaguez é: resolvo emprestar meu veículo para um amigo de confiança, mas ele acaba por causar um acidente de trânsito após ter feito ingestão de bebida alcoólica? Temos um contrato de comodato (empréstimo de bem infungível) e a pergunta que fica é: a seguradora pode alegar a tese de agravamento do risco?

A resposta é negativa, exceto se a seguradora comprovar (prova diabólica) que o segurado sabia que o comodatário faria uso de bebida alcoólica antes de emprestar o carro.

Inclusive há uma recente decisão neste sentido (proferida em 01/12/14 e publicada no DJe em 12/12/14):

SEGURO DE VEÍCULO. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. EMBRIAGUEZ DO CONDUTOR. EMPRÉSTIMO DO VEÍCULO. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. 1. O mero empréstimo do veículo a terceiro, sem a ciência de que viria ele a conduzir embriagado, não configura, por si só, o agravamento intencional do risco por parte do segurado apto a afastar a cobertura securitária. 2. Os valores da cobertura de seguro de vida devem ser acrescidos de correção monetária a partir da data em que celebrado o contrato entre as partes. Precedentes. 3. Os juros de mora devem fluir a partir da citação, na base de 0,5% ao mês, até a entrada em vigor do novo Código Civil (11.1.2003) e, a partir daí, nos termos de seu art. 406. 4. Recurso especial provido. (REsp 1.071.144/SP)

No caso acima citado, uma mulher, que contratou seguro automotivo, emprestou ao seu noivo o veículo objeto do contrato. Logo, o noivo é o terceiro e comodatário. Pois bem. O noivo foi para um churrasco, tomou “algumas cervejas”, segundo ele, e depois bateu com o carro e deu PT. Ele não quis fazer o exame da coleta de sangue, mas os exames clínicos juntados ao processo revelaram que ele estava em estado de embriaguez.

A seguradora recusou-se ao pagamento da cobertura, diante do caso narrado, mas a segurada acionou-a no Poder Judiciário. Perdeu na primeira e segunda instâncias, mas, de novo, o STJ deu provimento ao recurso especial com o entendimento de que “[...] o mero empréstimo do veículo a terceiro, sem a ciência de que viria ele a conduzir embriagado, não configura, por si só, o agravamento intencional do risco por parte do segurado apto a afastar a cobertura securitária.[...]” Será mesmo que a segurada não sabia que o seu noivo ia para o churrasco ou será que ele inventou outra estória?

7.3.3.         Diminuição do Risco

O agravamento do risco pode acarretar a perda da garantia contratual, embora não se possa deixar de analisar os problemas concretos à luz da boa fé objetiva. Mas a oscilação do risco no curso do contrato nem sempre pode se agravar, pendendo contra a seguradora. Também é possível a redução deste risco e nesta situação é de se questionar: o prêmio poderá sofrer redução? A resposta está no art. 770:

Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.

A regra está em sintonia com a teoria quebra da base objetiva, prevista no art. 6º do CDC, permitindo que o segurado possa exigir a revisão judicial do prêmio se a redução do risco for considerável. Aliás, o único requisito é este – redução considerável do risco. Em tal situação, a primeira e necessária medida a ser adotada é a revisão do contrato, em face do princípio da conservação do negócio jurídico. Somente frustrada esta possibilidade é que se pode recorrer à resolução pelo inadimplemento involuntário.

7.3.4.         Emissão da Apólice com Risco Inexistente

A seguradora também pode agir maliciosamente durante o cumprimento do contrato. O art. 773 cogita uma das hipóteses possíveis:

Art. 773. O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado.

Como exemplo, cite-se a hipótese do locatário que firma proposta de seguro fiança locatícia, mas durante o tempo de exame dela, desiste da alugar o imóvel inicialmente em vista. E mesmo sabendo da desistência, informação do corretor, por exemplo, a seguradora decide emitir a apólice. Neste caso, o pagamento em dobro funciona como uma pena privada. 

7.4.  Exemplos de Violação da Boa Fé na Fase Pós-Contratual

7.4.1.         Renovação Forçada do Seguro de Vida Individual

Um bom exemplo de violação da boa fé, para mim ocorrido no momento pós-contratual, está no REsp 1.073.595-MG, que foi julgado pela 2ª Seção do STJ[6]. O caso se despertou curiosidade especial, pois a defesa da seguradora foi patrocinada por escritório no qual já tive a honra de trabalhar como advogado.

Em síntese, foi firmado um contrato de seguro com renovação anual automática por 30 anos. No final deste longo período, a seguradora verificou que o preço do prêmio deveria se submeter a um reajuste para a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do contrato. No entanto, como houve, no entendimento dos juízes que decidiram o caso, uma variação abrupta e repentina no valor do prêmio, a seguradora se valeu de uma cláusula contratual que permitia a resilição unilateral do contrato mediante notificação enviada ao segurado com trinta dias de antecedência. No entanto, o segurado sentiu-se abandonado pela seguradora pelo fato de ter pago os prêmios religiosamente em dia durante todos os anos e depois, quando ficou mais velho, a seguradora simplesmente o descartou em função do aumento do risco.

Destaca-se que o pedido do autor foi julgado improcedente e seu recurso não foi provido pelo TJMG. Mas ele conseguiu reverter a situação na 2ª Seção do STJ, em julgamento apartado (3 a 2). Foi realmente uma batalha que envolveu muita principiologia contratual.

Para a maioria dos ministros, a modalidade de seguro discutida nos autos é um contrato relacional que, segundo Ronaldo Porto Macedo Júnior, pois seu conteúdo não contempla apenas as cláusulas que foram previstas na apólice e nas condições gerais do seguro, mas abrangem, também, os deveres anexos à boa fé (proteção, informação, confiança, lealdade, solidariedade etc). Com tais fundamentos, o STJ manteve forçadamente o vinculo contratual entre as partes.

Mas uma questão fica deste intrigante caso: seria realmente justa a manutenção forçada do vínculo contratual?  Contratar um seguro agora é um casamento sujeito ao dogma da indissolubilidade do vínculo contratual?

7.4.2.         Renovação do Seguro de Vida em Grupo

Ainda quanto à renovação do contrato, a posição do STJ é diversa em se tratando de seguro coletivo (seguro em grupo), como se infere do REsp 1.356.725-RS:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO DE VIDA EM GRUPO (OURO VIDA - APÓLICE 40). NÃO RENOVAÇÃO PELA SEGURADORA. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. NATUREZA DO CONTRATO (MUTUALISMO E TEMPORARIEDADE). EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL. NOTIFICAÇÃO DO SEGURADO EM PRAZO RAZOÁVEL. 1. A Segunda Seção deste Tribunal Superior, quando do julgamento do REsp nº 880.605/RN (DJe 17/9/2012), firmou o entendimento de não ser abusiva a cláusula contratual que prevê a possibilidade de não renovação automática do seguro de vida em grupo por qualquer dos contratantes, desde que haja prévia notificação em prazo razoável. Essa hipótese difere da do seguro de vida individual que foi renovado ininterruptamente por longo período, situação em que se aplica o entendimento firmado no REsp nº 1.073.595/MG (DJe 29/4/2011). 2. O exercício do direito de não renovação do seguro de vida em grupo pela seguradora, na hipótese de ocorrência de desequilíbrio atuarial, com o oferecimento de proposta de adesão a novo produto, não fere o princípio da boa-fé objetiva, mesmo porque o mutualismo e a temporariedade são ínsitos a essa espécie de contrato. 3. Recurso especial da FENABB não conhecido; recurso especial da Companhia de Seguros Aliança do Brasil S.A. provido e recurso especial da ABRASCONSEG prejudicado.
 
7.4.3.    Renovação Automática 
 
Em ambos os casos, seguro individual ou coletivo, somente se admite uma renovação automática. O código civil veda sucessivas cláusulas de recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, a teor do previsto no artigo 774:
 
Art. 774. A recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez.
 
8.       Seguro à Conta de Outrem

O seguro à conta de outrem é uma estipulação em favor de terceiro (art. 436 a 438). O empregador, por exemplo, contrata com uma seguradora apólice de seguro de vida coletiva em benefício de seus funcionários. São três os personagens: o estipulante (o empregador); a seguradora e os segurados (funcionários). Qualquer pessoa também pode fazer um seguro de vida, na condição de segurado, e estipular o benefício em favor de terceiros, uma pessoa da família, por exemplo. Ainda assim, no segundo exemplo, estarão os três personagens o segurado (estipulante), a seguradora e o terceiro (beneficiário).

Nas regras gerais sobre o contrato de seguro há uma específica sobre a estipulação em prol de terceiros:

Art. 767. No seguro à conta de outrem, o segurador pode opor ao segurado quaisquer defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão do contrato, ou de pagamento do prêmio.

Para ilustrar, no exemplo da empresa que contratou seguro coletivo para seus funcionários, ela pode descontar da folha de pagamento o valor referente à participação, total ou parcial, dos funcionários no contrato (prêmio). Neste caso, se a empresa não repassar o valor à seguradora, esta, desde que notifique o estipulante para constituí-lo em mora, poderia negar o pagamento da cobertura ao segurado que sofreu um acidente. A exceção contra o estipulante pode ser oposta ao segurado.

9.       Seguro de Dano

9.1.  Natureza e Extensão da Garantia e da Indenização

O que o seguro de dano tem em específico é que a natureza de sua cobertura é indenizatória, vez que se destina a cobrir um dano patrimonial ou extra-patrimonial. Portanto, toda a lógica do seguro de dano gravita em torno do princípio da reparação integral, previsto no artigo 944 do Código Civil: Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Sendo assim, a regra que abre a seção sobre o seguro de dano (Seção II) é desdobramento deste princípio:

Art. 778. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber.

Justamente por isso é que se deve proceder à vistoria do veículo, do imóvel, da máquina, ou seja, do objeto que se pretende segurar, para se evitar supervalorizações ou fraudes.

Outra regra diretamente ligada ao princípio da reparação integral é a do art. 781:

Art. 781. A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador.

Isso quer dizer que o legítimo interesse é avaliado em dois momentos, um na fase preliminar e na conclusão do contrato, para a definição do valor da garantia (coberturas contratuais contra os riscos predeterminados) e outro no momento de pagamento, já que a indenização não poderá ultrapassar o interesse segurado.

Apesar da regra do artigo 781, é possível a contratação de apólices de seguro-auto com valor determinado, pela qual o segurado se protege contra a depreciação do valor do bem.

9.2.  Parcelas Indenizatórias

9.2.1.         Danos Emergentes, Lucros Cessantes e Coberturas Contratuais

O art. 779 cita alguns danos emergentes diretos e indiretos com o sinistro:

Art. 779. O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou conseqüentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa.

Aliás a regra está em sintonia com a do art. 771, p. único: “Art. 771. [...] Parágrafo único. Correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento conseqüente ao sinistro.”

Ou seja, se a cobertura visa garantir principalmente danos patrimoniais, ela deve compreender suas modalidades, os danos emergentes e os lucros cessantes. No entanto, tudo deve obedecer os limites fixados nas coberturas contratadas, que podem ser, dentre outras, de casco, danos materiais a terceiros, danos morais, danos pessoais.

Por fim, deve-se salientar que o pagamento, via de regra, deve ser feito em dinheiro, salvo se convencionada a reposição da coisa. (art. 776)

9.2.2.         Sobre a Cobertura de Danos Pessoais    

Tempos atrás surgiu uma polêmica sobre a extensão da cobertura denominada “danos corporais”. Questionou-se o valor contemplado por ela não poderia ser utilizado para pagamento dos danos morais.

Suponha, por exemplo, que uma transportadora contratou seguro para os caminhões de sua frota, cuja apólice contemplava coberturas para casco, que cobre danos ocorridos nos próprios caminhões, danos materiais a terceiros até o limite de 2 milhões e danos corporais até o máximo de 1 milhão. Suponha, ainda, que um caminhoneiro dessa transportadora atropelou uma senhora que estava na calçada, ferindo-a gravemente. A vítima ingressa pedindo indenização pelos danos causados, materiais e morais.

A pergunta que surge é: a cobertura de danos corporais deve ser utilizada para pagamento das despesas médicas gastas para curar os ferimentos da vítima ou também serve para compensar os danos morais suportados?

Sobre esta polêmica, o STJ editou a Súmula 402: o contrato de seguro por danos pessoais compreende danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão

Realmente a cláusula gerava ambigüidade em saber quais eram os riscos cobertos. Neste caso, entendo que foi correta a posição do STJ, pois como o contrato de seguro é geralmente contrato de consumo, aplica-se o art. 47 do CDC: Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

9.3.  Cosseguro

Em mais uma regra que acompanha o princípio da reparação integral (art. 944), o art. 782 permite a contratação de mais de um seguro para a garantia de um mesmo interesse e contra um mesmo risco, desde que comunique sua intenção por escrito ao primeiro segurador, indicando a soma por que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art. 778.

Isso pode acontecer para um interesse muito alto, por exemplo, de proteção de um estabelecimento empresarial. Um seguro de proteção contra furto, roubo e incêndio para a Ricardo Eletro ou Casas Bahia pode não garantir totalmente o valor do complexo de bens reunidos naquele local (estoque, imóvel, placas, instalações)

O estabelecimento pode estar avaliado em 2 milhões, mas a apólice da seguradora X só cobre a metade deste valor. Sendo assim, desde que o segurado notifique por escrito a seguradora X, poderá contratar outro seguro, no valor de 1 milhão, com a seguradora Y.

Cabe frisar, ainda, que o art. 782 é complemento da regra geral prevista no art. 761 que trata do cosseguro, estipulando que a apólice indicará o segurador que administrará o contrato e representará os demais, para todos os seus efeitos.

O cosseguro, portanto, pressupõe a divisão dos riscos entre as diversas seguradoras contratadas para garantir o mesmo interesse. Ele não se confunde com o resseguro, pelo qual a seguradora que garante o objeto, para se precaver do alto risco envolvido, contrata uma outra seguradora também arcará pelo menos parcialmente com a perda em caso de sinistro.

9.4.  Seguro Parcial de Dano e Redução Proporcional da Cobertura

A regra do art. 783 também obedece à lógica demonstrada acima:

Art. 783. Salvo disposição em contrário, o seguro de um interesse por menos do que valha acarreta a redução proporcional da indenização, no caso de sinistro parcial.

Ela só exige uma proporção entre a garantia que foi estabelecida no momento da contratação e o valor da indenização. O autor Flávio Tartuce tem um exemplo esclarecedor:

Ao mesmo tempo em que a lei admite a cumulação de seguros, nunca superior ao valor da coisa, o art. 783 do CC autoriza o seguro parcial, ou seja, o seguro de um interesse por menos do que ele valha. Nessa hipótese, ocorrendo o sinistro parcial, a indenização a ser paga também deverá ser reduzida proporcionalmente, por meio do que se denomina cláusula de rateio. Vejamos um exemplo prático, a fim de também elucidar essa previsão legal: alguém celebra um contrato de seguro contra incêndio que possa vir a atingir uma casa, um bem imóvel cujo valor é R$ 100.000,00. O valor da indenização pactuado é de R$ 50.000,00 (seguro parcial). Em uma noite qualquer, ocorre um incêndio, o sinistro, mas este é rapidamente contido, gerando um prejuízo ao segurado de R$ 10.000,00. Com a redução proporcional, o valor a ser pago pela seguradora é de R$ 5.000,00. A norma visa a manter o sinalagma obrigacional, a base objetiva que forma o negócio jurídico em questão.(TARTUCE, 2014, p. 646)

Atente-se apenas para o caráter dispositivo da norma, que pode ser afastada ou tratada de modo diverso pelas partes.

9.5.  Sinistro e Vício Oculto do Objeto Segurado. Exclusão Legal de Cobertura

O vício oculto do objeto segurado, assim entendido aquele defeito próprio da coisa, que se não encontra normalmente em outras da mesma espécie, constitui causa de exclusão legal da garantia contratada.

Art. 784. Não se inclui na garantia o sinistro provocado por vício intrínseco da coisa segurada, não declarado pelo segurado.

Parágrafo único. Entende-se por vício intrínseco o defeito próprio da coisa, que se não encontra normalmente em outras da mesma espécie.

Um exemplo encontrado nos precedentes do STJ é o de adulteração de chassi e apreensão do veículo pela autoridade policial. No REsp 38.196/SP, a Terceira Turma do STJ se deparou com um caso da seguinte natureza: uma pessoa contratou um seguro automotivo para o seu veículo, mas em certo dia, possivelmente ao ser parado por uma blitz, teve seu veículo apreendido porque o chassi estava adulterado.

O segurado não sabia de tal situação e por isso não informou o fato ao segurador. No entanto, como a polícia apreendeu o veículo, o segurado queria que o fato fosse equiparado a roubo ou furto para efeito de recebimento da indenização. Mas o STJ aplicou à risca a regra que hoje está prevista no art. 784 do Código Civil. Eis a ementa do julgado:

CIVIL. SEGURO. APREENSÃO DE AUTOMOVEL POR ATO DE AUTORIDADE .ADULTERAÇÃO DE CHASSIS. FATO PRETERITO. HIPOTESE QUE NÃO SE EQUIPARA A ROUBO OU FURTO. NÃO E DADO DESENCADEAR A GARANTIA POR FATO PRETERITO, SE VOLTADA, SEGUNDO A DISCIPLINA LEGAL E O PROPRIO CONTRATO DE SEGURO, A COBERTURA DE RISCOS FUTUROS. PRECEDENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

9.6.  Direito de Sub-Rogação

a)       Previsão Legal

O Segurador tem direito de regresso contra o causador do dano em razão do valor pago ao segurado. Isso porque a lei lhe confere direito de sub-rogação no seguro de dano:

Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

O dispositivo contempla o que já previa a Súmula 188 do STF:

O SEGURADOR TEM AÇÃO REGRESSIVA CONTRA O CAUSADOR DO DANO, PELO QUE EFETIVAMENTE PAGOU, ATÉ AO LIMITE PREVISTO NO CONTRATO DE SEGURO.

Além disso, o Código Civil também dispõe que é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo.

b)       Dano Causado por Cônjuge, descendentes, ascendentes, cosanguíneos ou afins do Segurado

O direito de sub-rogação apresenta apenas uma exceção, prevista no parágrafo único do art. 786, pois se o dano for causada por alguma das pessoas ali indicadas, o segurador, salvo comprovação de dolo, não se sub-rogará.

c)       Sub-Rogação no Seguro de Vida

Não há direito de sub-rogação no seguro de vida. Não se paga uma indenização em caso de morte do segurado, mas sim o capital segurado contratado. A natureza do seguro de pessoa é diferente, pois não protege um dano, mas sim um valor existencial, como a saúde, a integridade física, os direitos de personalidade em geral.

Art. 800. Nos seguros de pessoas, o segurador não pode sub-rogar-se nos direitos e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro.

9.7.  Seguro de Responsabilidade Civil

A apólice das modalidades de seguro de dano, para além da garantia de um bem particular do segurado, pode prever cobertura contra danos causados pelo segurado a terceiros. A proteção a terceiros é própria de uma espécie de seguro de dano: o seguro de responsabilidade civil. Vejamos algumas regras sobre esta modalidade específica:

9.7.1.         Boa Fé na Fase Contratual (Dever de Informação)

A primeira regra sobre o seguro de responsabilidade civil está no art. 787,§1º, que é corolário do princípio da boa fé objetiva. Também é desdobramento do previsto na regra situada na seção I do contrato de seguro, art. 771, no sentido do dever de minorar as conseqüências do ato provocado, norma que se inspira no instituto duty to mitigate the own lost.

No mesmo sentido, o art. 787,§1º dispõe que tão logo saiba o segurado das conseqüências de ato seu, suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador. É evidente, portanto, a exigência do dever de informação, colaboração e lealdade, para evitar que as conseqüências do ato possam se agravar indevidamente, quando poderiam ser evitadas.

9.7.2.         Reconhecimento de Responsabilidade, Confissão, Transação ou Pagamento ao terceiro feito pelo Segurado sem Interveniência da Seguradora.

No seguro de responsabilidade civil, há o receio, da parte das seguradoras, de que o segurado seja forçado a atender exigências absurdas de um terceiro, diante de uma pressão realizada por este.

Pense numa situação em que uma senhora de idade se envolveu num acidente de trânsito com um motociclista jovem, forte, e com personalidade rude. Sem dúvida ele pode pressioná-la a reconhecer a culpa, seja fora ou dentro do Poder Judiciário. Ela pode, ainda, por temer a atitude do motociclista, efetivar o pagamento a ele para depois pleitear o pagamento da garantia à seguradora.

Tendo uma situação como essa no pano de fundo e como inspiração, o art. 787,§2º dispõe que é defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador, como se os atos fossem causa excludente do direito ao pagamento da cobertura contratada.


No entanto, o dispositivo é alvo de severas críticas, e com razão. Afinal, a restrição é excessiva e importa limitação indevida à liberdade do segurado de decidir se vai ou não reparar o prejuízo da vítima. Até porque a pessoa lesada com o sinistro muitas vezes tem emergência de receber as quantias necessárias a suprir procedimentos médicos, remédios, eventuais reparos etc.

Com base neste raciocínio, foi aprovado o Enunciado 373, na IV Jornada de Direito Civil:

373 – Art. 787: Embora sejam defesos pelo § 2º do art. 787 do Código Civil, o reconhecimento da responsabilidade, a confissão da ação ou a transação não retiram do segurado o direito à garantia, sendo apenas ineficazes perante a seguradora.

E o Enunciado 546, na VI Jornada:

Enunciado 546 – O § 2º do art. 787 do Código Civil deve ser interpretado em consonância com o art. 422 do mesmo diploma legal, não obstando o direito à indenização e ao reembolso. Artigos: 787, § 2º, e 422

Portanto, os atos de reconhecimento, confissão, transação ou pagamento, sem interveniência da seguradora, não são causas excludentes da garantia contratual.

Aliás, um precedente atual do STJ, julgado em 21/08/14 e publicado em 03/09/14, fez alusão expressa aos Enunciados do CJF/STJ, o que demonstra a importância deles como fonte interpretativa do direito. Vale a citação da ementa na íntegra:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO DE AUTOMÓVEL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSAÇÃO JUDICIAL ENTRE SEGURADO E VÍTIMA (TERCEIRO PREJUDICADO). FALTA DE ANUÊNCIA DA SEGURADORA. INEFICÁCIA DO ATO. BOA-FÉ DOS TRANSIGENTES. DIREITO DE RESSARCIMENTO. ACORDO VANTAJOSO ÀS PARTES. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO EFETIVO AO ENTE SEGURADOR.
1. No seguro de responsabilidade civil, o segurado não pode, em princípio, reconhecer sua responsabilidade, transigir ou confessar, judicial ou extrajudicialmente, sua culpa em favor do lesado a menos que haja prévio e expresso consentimento do ente segurador, pois, caso contrário, perderá o direito à garantia securitária, ficando pessoalmente obrigado perante o terceiro, sem direito de reembolso do que despender.
2. As normas jurídicas não são estanques, ao revés, sofrem influências mútuas, pelo que a melhor interpretação do parágrafo 2º do art. 787 do Código Civil é de que, embora sejam defesos, o reconhecimento da responsabilidade, a confissão da ação ou a transação não retiram do segurado, que estiver de boa-fé e tiver agido com probidade, o direito à indenização e ao reembolso, sendo os atos apenas ineficazes perante a seguradora (enunciados nºs 373 e 546 das Jornadas de Direito Civil). Desse modo, a perda da garantia securitária apenas se dará em caso de prejuízo efetivo ao ente segurador, a exemplo de fraude (conluio entre segurado e terceiro) ou de ressarcimento de valor exagerado (superfaturamento) ou indevido, resultantes de má-fé do próprio segurado.
3. Se não há demonstração de que a transação feita pelo segurado e pela vítima do acidente de trânsito foi abusiva, infundada ou desnecessária, mas, ao contrário, sendo evidente que o sinistro de fato aconteceu e o acordo realizado foi em termos favoráveis tanto ao segurado quanto à seguradora, não há razão para erigir a regra do art. 787, § 2º, do CC em direito absoluto a afastar o ressarcimento do segurado.
4. Recurso especial não provido. (REsp 1.133.459/RS)

No caso citado, ocorreu a colisão entre um veículo pertencente a uma empresa de mineração e terraplanagem, objeto de contrato de seguro de responsabilidade civil, e uma motocicleta. Como a culpa do condutor do veículo e preposto da segurada estava devidamente caracterizada, as partes tentaram compor extrajudicialmente, mas o motociclista não aceitou o pagamento da quantia de R$ 13 mil e ingressou no Poder Judiciário pedindo quase 2 milhões. No curso do processo foi realizada a transação entre os litigantes, em quantia por volta de R$ 67 mil reais.

Quando a mineradora foi pedir o reembolso dos valores recebeu a negativa da seguradora, com base no art. 782,§2º do CC. De acordo com a seguradora, o segurado descumpriu o dever de colaboração e lealdade, pois a seguradora tem o direito de avaliar os fatos e circunstâncias do caso, pois afinal de contas é ela que vai pagar as contas no final da estória. Essa tese, no entanto, não foi acolhida pelo STJ. Como visto, o próprio acórdão citou os Enunciados do CJF.

9.7.3.         A Denunciação da Lide e o Seguro de Responsabilidade Civil

9.7.3.1.    Obrigação ou Faculdade?

Nos termos do art. 787,§3º, o segurado dará ciência da lide ao segurador, que é realizado por meio da denunciação da lide, espécie de intervenção de terceiros no processo civil (art. 70, III do CPC).

Apesar da redação do art. 783,§3º, que impõe o dever do segurado de dar ciência e do rigor do art. 70, III, que prescreve ser a denunciação “obrigatória”, ela é uma faculdade. O próprio acórdão citado no tópico anterior (art. 1.133.459/RS) é prova disso. Se o segurado é livre para reconhecer, transigir, confessar e pagar, poderá fazê-lo sem denunciar à lide e depois pedir o reembolso à seguradora.

9.7.3.2.    Ação Direta do Terceiro Contra a Seguradora

a)       Presença Concomitante do Segurado no Polo Passivo

É curioso observa a contradição existente no comportamento de certas pessoas. Veja por exemplo a situação do terceiro que move ação diretamente contra a seguradora.

Por um lado, a seguradora se opõe ao acordo feito pelo segurado sem a interveniência dela (art. 787,§2º) e pretende elevar o fato como hipótese excludente do dever de indenizar. Por outro, quando o próprio terceiro propõe ação diretamente contra ela no Poder Judiciári0, ela argüiu preliminar de ilegitimidade de parte por não haver contrato firmado diretamente entre eles.

Ora, se o segurado pagou devidamente o prêmio e a apólice está vigente, a ação direta do terceiro contra o segurado seria uma oportunidade única para discutir e impugnar todas as questões envolvidas no sinistro.

O que se conclui é que não há rigor científico em algumas regras estabelecidas no Código Civil em matéria de contrato de seguro. Algumas normas servem apenas para atender os grupos seguradores do país.

A respeito da ação direta do terceiro, a Quarta Turma do STJ já se posicionou da seguinte forma:

CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. AÇÃO DIRETA MOVIDA POR VÍTIMA CONTRA A SEGURADORA SEM A PRESENÇA DO SEGURADO NA LIDE. IMPOSSIBILIDADE. I. Diversamente do DPVAT, o seguro voluntário é contratado em favor do segurado, não de terceiro, de sorte que sem a sua presença concomitante no pólo passivo da lide, não se afigura possível a demanda intentada diretamente pela vítima contra a seguradora. II. A condenação da seguradora somente surgirá se comprovado que o segurado agiu com culpa ou dolo no acidente, daí a necessidade de integração do contratante, sob pena, inclusive, de cerceamento de defesa.
III. Recurso especial não conhecido. (REsp 256.424-SE)

Acredito que este entendimento pode mudar, pois é possível a existência de casos em que a culpa do segurado está devidamente comprovada por documentos e testemunhas.




b)       Ação Direta nos Seguros Obrigatórios

O Código Civil reconhece a possibilidade de ação direta do terceiro (vítima do sinistro) diretamente contra o segurador, nas hipóteses do seguro DPVAT ou do seguro de incêndio em condomínios horizontais.

Porém o Código cogita a possibilidade do segurador recusar-se ao pagamento da garantia se o segurado, por exemplo, não pagou o prêmio respectivo. É o que se depreende do art. 788 e seu parágrafo único:

Art. 788. Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado.

Parágrafo único. Demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover a citação deste para integrar o contraditório.

No entanto, o parágrafo único é letra morta em matéria de seguro DPVAT, pois não se procura investigar se o dono do veículo que causou o atropelamento está quite ou não com o pagamento do prêmio obrigatório.

10.    Seguro de Pessoas

10.1.                      Conceito

É a modalidade de se seguro que se destina a cobrir riscos relacionados aos direitos de personalidade do segurado, como a vida, integridade física e a saúde, mediante o pagamento do capital segurado ao próprio segurado ou aos seus beneficiários, conforme o caso.

10.2.                      O Capital Segurado

O valor do capital segurado, ao contrário do seguro de dano, não está vinculado necessariamente a um interesse avaliado pecuniariamente. Os direitos de personalidade não têm preço. O que acontece é que o segurado estima um valor compensatório que possa ajudar a si mesmo ou a alguém indicado como beneficiário, geralmente um familiar.

Portanto, no seguro de pessoas não há limitação do número de seguros sobre o mesmo risco e interesse que o segurado pode contratar. Se ele têm condições de pagar o prêmio é realmente quer se resguardar contra riscos, pode contratar livremente outras seguradoras, conforme dispõe o art. 789:

Art. 789. Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos seguradores.

10.3.                      Seguro Sobre a Vida de Outros

10.3.1.      Declaração do Interesse na Preservação da Vida do Outro

O seguro sobre a vida de outros, tratada pelo art. 790, o proponente contrata diretamente com a seguradora uma apólice para um terceiro, podendo ser o próprio proponente o beneficiário ou pessoa diversa. Em qualquer caso, o proponente é obrigado a declarar o seu interesse pela preservação da vida do segurado. Uma transportadora, por exemplo, pode fazer um contrato de seguro de um motorista que vive na estrada, correndo risco de morte.

Em algumas situações este interesse é presumido, quando o segurado é cônjuge, ascendente ou proponente do ascendente. Neste rol deve ser incluído o companheiro, em face do tratamento isonômico garantido pela Constituição aos mais variados tipos de famílias. O Enunciado 186 da III Jornada do STJ chegou a esta mesma conclusão.




10.3.2.      Alteração do Beneficiário

É possível a alteração do beneficiário no seguro sobre a vida de outro desde que preenchidos os requisitos do art. 791 do CC:

è  Se o segurado não renunciar à faculdade ou
è  Se o seguro não tiver como causa declarada a garantia de uma obrigação

Em qualquer caso, a substituição do beneficiário deve ser comunicada ao segurado, sob pena de não produzir efeitos em relação a este, que se desobrigará, pagando o valor ao antigo beneficiário (art. 791, p. único)

10.3.3.      Estipulação de Terceiro Tradicional

O Seguro sobre a vida de outrem pode ser uma estipulação em favor de terceiro. Um pai faz um seguro para o filho e indica a mãe como beneficiária. Todavia, neste caso figuram quatro personagens: o proponente/estipulante, a seguradora (devedora), o segurado e o beneficiário.

O mais comum, entretanto, é que o próprio proponente faça um seguro para si, indicando um terceiro como beneficiário. Aí temos a triangulação clássica – estipulante – devedor – terceiro beneficiário.

10.3.4.      Ausência de Indicação do Beneficiário

Diante de tantos negócios em massa realizados nos dias atuais, muitas propostas de seguro são assinadas dentro de agências bancárias, sendo que, na correria do dia a dia, os proponentes assinam a proposta de seguro sem indicar o beneficiário:

Então, diante da ausência da indicação, a lei estipula que

Art. 792. Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária.

Parágrafo único. Na falta das pessoas indicadas neste artigo, serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência.

É óbvio que a companheira ou companheiro devem ser incluídos neste rol, pelas mesmas razões a pouco demonstradas.

10.3.5.      Indicação do Companheiro como Segurado e a Polêmica do Concubinato

a)       A Invalidade não se Presume. Exige Previsão Textual Expressa

O art. 793 dispõe que é válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato. Acontece que, com um pouco mais de acuidade, é possível observar que o art. 793, ainda que implicitamente, considera invalida a indicação do concubino como beneficiário.

Mas se não há indicação textual e clara da invalidade, não se pode considerá-la como tal. Assim, entendo que também seria válida a instituição da companheira mesmo na constância da relação conjugal, primeiro porque reconheço a existência de famílias paralelas e segundo porque revela-se indevida a restrição da autonomia privada de escolher aquele que será o beneficiário do seguro.




b)       Precedentes do STJ sobre a Indicação da Concubina como Beneficiária do Seguro de Vida

Há um precedente em que a Terceira Turma não conheceu do recurso especial interposto porque verificou que o TJRS, mediante o exame das provas juntadas ao processo, já tinha reconhecido que a beneficiária era companheira, e não concubina do falecido segurado. Mesmo assim, a relatora deixou suas considerações no sentido de que seria vedada a designação do concubino em razão da necessidade de proteção do casamento. Vejamos a Emenda:

Direito civil. Recursos especiais. Contratos, família e sucessões. Contrato de seguro instituído em favor de companheira. Possibilidade. - É vedada a designação de concubino como beneficiário de seguro de vida, com a finalidade assentada na necessária proteção do casamento, instituição a ser preservada e que deve ser alçada à condição de prevalência, quando em contraposição com institutos que se desviem da finalidade constitucional. - A união estável também é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar; o concubinato, paralelo ao casamento e à união estável, enfrenta obstáculos à geração de efeitos dele decorrentes, especialmente porque concebido sobre o leito do impedimento dos concubinos para o casamento. - Se o Tribunal de origem confere à parte a qualidade de companheira do falecido, essa questão é fática e posta no acórdão é definitiva para o julgamento do recurso especial. - Se o capital segurado for revertido para beneficiário licitamente designado no contrato de seguro de vida, sem desrespeito à vedação imposta no art. 1.474 do CC/16, porque instituído em favor da companheira do  falecido, o instrumento contratual não merece ter sua validade contestada. - Na tentativa de vestir na companheira a roupagem de concubina, fugiram as recorrentes da interpretação que confere o STJ à questão, máxime quando adstrito aos elementos fáticos assim como descritos pelo Tribunal de origem.
Recursos especiais não conhecidos. (REsp 1.047.538/RS)

No entanto, insisto na tese de que não existe a invalidade, pois esta deve ser expressa e o art. 793 não impediu categoricamente – como impede o art. 550 do CC – a indicação do concubino como beneficiário. Além disso, defendo a autonomia privada do segurado, no momento da indicação, e o reconhecimento das famílias paralelas, para que o direito lhes conceda efeitos jurídicos.

10.4.                      Características do Capital Segurado

O valor é impenhorável (art. 649, IX, do CPC) e não se considera herança, para todos os fins. (art. 794)


10.5.                      Transação Sobre o Pagamento do Capital Segurado

O art. 795 dispõe ser nula, no seguro de pessoa, qualquer transação para pagamento reduzido do capital segurado. Ou seja, ou a seguradora se nega, por algum motivo, a efetuar o pagamento ou paga integralmente. A norma do art. 795 estabelece uma regra do tudo ou nada para evitar pressões de toda sorte aos beneficiários que precisam muito do recurso.

Uma questão interessante sobre o art. 795 é saber se a transação realizada no âmbito do Poder Judiciário é válida. O detalhe é que é muito comum a celebração de acordos sobre o capital segurado. Alguns Tribunais fazem até mutirões se for preciso para forçar as partes a tentarem uma composição. O acordo vira festa!

Mas isso não seria um motivo para a seguradora protelar o pagamento com recusas infundadas para depois obter um abatimento com o acordo no Poder Judiciário?

Por enquanto não encontrei precedentes que reconheceram a nulidade do acordo.




EXERCÍCIOS
QUESTÃO 01. Prova: TJ-DFT - 2012 - TJ-DF - Juiz

A respeito dos contratos de seguro, analise as proposições abaixo e assinale a alternativa correta.

I - Conforme entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, ressalvada a hipótese de efetivo agravamento do risco, a seguradora não se exime do dever de indenizar em razão da transferência do veículo sem a sua prévia comunicação.

II - Conforme entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, o contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão.

III - No seguro de vida para o caso de morte é ilícito estipular-se um prazo de carência.

IV - No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

a) Apenas as proposições I, II e IV estão corretas.
b) Apenas as proposições I e II estão corretas.
c) Apenas a proposição III está correta.
d) As proposições I, II, III e IV estão corretas.

QUESTÃO 02. Prova: PUC-PR - 2012 - TJ-MS - Juiz

obre o contrato de seguro, analise as proposições a seguir. Em seguida, assinale a alternativa CORRETA.

I. A seguradora tem direito de sub-rogação legal em face do terceiro causador do dano, pela cobertura dos riscos por este causados ao segurado.

II. Ressalvada a hipótese de efetivo agravamento do risco, a seguradora não se exime do dever de indenizar em razão da transferência do veículo sem a sua prévia comunicação.

III. O contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão.

IV. O seguro de vida não cobre o suicídio não premeditado.

a) Apenas as proposições I e III são verdadeiras.
b) Apenas as proposições I, II e III são verdadeiras.
c) Apenas as proposições II e III são verdadeiras.
d) Apenas as proposições I e IV são verdadeiras.
e) Apenas as proposições I e II são verdadeiras.


De acordo com as regras concernentes ao seguro automotivo, assinale a opção correta.

a) A indenização pelo sinistro não pode gerar nenhum proveito ao segurado.
b) Se a esposa do segurado causar sinistro por culpa, o segurador pode sub-rogar-se, nos limites da indenização paga.
c) O contrato celebrado não pode ser transferido a terceiro que venha a adquirir o veículo.
d) O seguro de um bem poderá ser contratado por valor superior ao seu valor atual, mas isso implicará aumento no valor do prêmio.
e) O atraso no pagamento de prestação do prêmio importa em desfazimento automático do contrato, de acordo com a jurisprudência do STJ.


Referindo-se ao contrato de seguro, tendo em conta as proposições abaixo, responda:

I - mediante tal modalidade contratual, o segurador se obriga, através do pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados;

II - o princípio da boa-fé se avulta como de natureza relativa;

III - a minoração do risco no curso do contrato resulta sempre na redução do prêmio estipulado;

IV - o prazo prescricional da pretensão do segurado contra o segurador é de 2 (dois) anos.

a) são verdadeiras as alternativas I, II e III;
b) são verdadeiras as alternativas III e IV;
c) são verdadeiras as alternativas I e III;
d) somente a alternativa I está correta.

QUESTÃO 05. Prova: VUNESP - 2012 - TJ-MG - Juiz

Quanto ao contrato de seguro, assinale a alternativa que apresenta informação incorreta.

a) A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumi- dos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido.
b) Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento da indenização, a garantir interesse legítimo de segurado, contra riscos pretederminados.
c) O segurador, desde que o faça nos 15 (quinze) dias seguintes ao recebimento do aviso de agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.
d) Somente pode ser parte no contrato de seguro, como segurador, entidade legalmente autorizada.

QUESTÃO 06. Prova: FCC - 2013 - TJ-PE - Juiz

No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte,

a) a indenização sempre beneficiará o cônjuge sobrevivente casado sob o regime da comunhão universal ou parcial de bens
b) o capital estipulado só fica sujeito às dívidas do segurado que gozem de privilégio geral ou especial.
c) é obrigatória a indicação de beneficiário, sob pena de ineficácia, revertendo o prêmio pago à herança do segurado falecido.
d) o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.
e) o capital segurado só pode ser pago a herdeiros legítimos, não se admitindo a indicação de pessoa estranha à ordem de vocação hereditária para recebê- lo.

QUESTÃO 07. Prova: VUNESP - 2013 - TJ-SP - Juiz

Acerca do contrato de seguro, é correto afirmar que

a) os credores do devedor insolvente que vem a falecer podem penhorar o capital estipulado em seguro de vida por ele próprio contratado e pago, independentemente de quem seja o beneficiário.
b) por meio desse contrato, que se prova mediante a exibição da apólice ou bilhete de seguro, o segurado, mediante a paga de uma contraprestação, faz jus, na hipótese de se verificar determinado evento, a receber indenização denominada prêmio.
c) no seguro de responsabilidade civil, o segurado não pode reconhecer sua responsabilidade sem anuência expressa do segurador.
d) ao segurado que agrava intencionalmente o risco objeto do contrato a lei impõe multa e redução da garantia prevista na apólice.


No seguro de vida, para o caso de morte,

a) o beneficiário tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida, ainda que no início da vigência do contrato de seguro.
b) proveniente da utilização de meio de transporte mais arriscado ou da prestação de serviço militar pode eximir o segurador e pagar o benefício.
c) é lícito estipular-se um prazo de carência, durante o qual o segurador não responde pela ocorrência do sinistro.
d) não poderá ser instituído para beneficiar companheiro ou cônjuge quando já houver separação do casal.
e) o prêmio será pago apenas se o contrato for conveniado por prazo limitado.




















CONTRATO DE SEGURO
1.       Conceito

O Código Civil define o contrato de seguro como aquele pelo qual o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. (art. 757). É inquestionável a importância de um contrato nesta sociedade de consumo de massa como importante instrumento de socialização dos riscos.

2.       Regência Normativa

As regras elementares do contrato de seguro estão previstas no Código Civil, mas sua regulamentação vai muito além da codificação. Outro microssistema de extrema importância é dos planos privados de assistência à saúde, que na essência são contratos de seguros, mas possuem regulamentação específica pela Lei 9.656 de 03/06/1998.

3.       Classificação

Dentre as características do contrato de seguro, podem ser apontadas, dentre outras:

a)       bilateral, já que impõe obrigações para ambos os contratantes. Ao segurador, a garantia de um interesse legítimo; ao segurado, o pagamento do prêmio.
b)       Oneroso, por estabelecer vantagens, mas também os correlatos sacrifícios patrimoniais de ambas as partes.
c)       Consensual, pois se aperfeiçoa com a manifestação de vontade das partes
d)       Aleatório: diante da incerteza que paira sobre a ocorrência do risco coberto pelo contrato. A configuração do risco é conhecida no meio técnico como “sinistro”.

Ressalta-se que não é pacífica a caracterização do contrato de seguro como aleatório. Juristas como Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel afirmam que o contrato seria comutativo simplesmente pelo fato de ser oferecida uma garantia durante toda a vigência do contrato. (TZIRULNIK et AL TARTUCE, 2014)
e)       De Adesão: Pois o Conteúdo é definido prévia e unilateralmente pela seguradora, sem participação do segurado na definição das cláusulas.

4.       O Segurador

4.1.  Autorização para Funcionamento

Somente entidade autorizada para tal fim poderá figurar como parte seguradora no contrato de seguro.
(art. 757, p. único). A autorização é dada pelo Governo Federal e as complexas regras de autorização para funcionamento estão previstas na Lei 8.177/1991, e nos Decretos-Lei 73/1996 e 2.063/1940.

4.2.  Grupos Restritos de Ajuda Mútua

Devido ao alto grau de investimento e exigência para atuação no mercado securitário, algumas entidades passam a atuar sem a autorização do governo, mas se caracterizam por serem grupos restritos de ajuda mútua, caracterizada pela autogestão. Tais entidades não se confundem com as seguradoras, pois elas apenas recolhem quotas de seus associados para protegerem seus respectivos membros de infortúnios.

A doutrina refere-se a esta modalidade de autoajuda de seguro-mútuo.

O próprio Decreto-Lei 2.063/40 cuida de regulamentá-los. E o Enunciado n. 185 do CJF reconhece a possibilidade de sua existência e funcionamento:

185 – Art. 757: A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão.

Este tópico sobre os grupos restritos de ajuda mútua levanta a questão sobre a legalidade da comercialização do seguro automotivo por associações e cooperativas. Elas seriam classificadas como sociedade que atuam com seguro mútuo? A atividade é ilegal?

Em resposta a tais indagações, a própria SUSEP (Superintendência de Seguros Privados e Capitalização) afirma que tais entidades não têm acompanhamento técnico das operações, o que representa sério risco para os segurados. Mas é resposta soa como uma defesa corporativista da autarquia que quer proteger o mercado contra “intrusos” não autorizados:

Associações e Cooperativas: isso é seguro?
Algumas associações e cooperativas estão comercializando ilegalmente seguros de automóveis com o nome, por exemplo, de "proteção", "proteção veicular", "proteção patrimonial", dentre outros.
Como essas associações e cooperativas não estão autorizadas pela Susep a comercializar seguros, não há qualquer tipo de acompanhamento técnico de suas operações.
A única forma legal dessas associações e cooperativas atuarem é como estipulantes de contratos de seguros, ou seja, contratando apólices coletivas de seguros junto a sociedades seguradoras devidamente autorizadas pela Susep, passando a representar seus associados e cooperados como legítimos segurados.
Portanto, antes de contratar um falso seguro, consulte o nome da sociedade seguradora no sítio eletrônico da Susep e leia as condições gerais do contrato de seguro.[1]

Não me parece, portanto, que o objeto social de tais entendidas, seja qual for a sua forma (sociedades, associações, fundações ou cooperativas) é ilícito. A falta de um acompanhamento técnico, talvez, seja ainda um fator de risco no momento de se associar à entidade. A questão não é tanto de ilegalidade, mas de credibilidade.

O interessante é que, no âmbito do TJMG, são encontrados precedentes que afirmaram ser ilícito o objeto social das associações que se dedicam clandestinamente no mercado de seguro. Vejamos:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS - EQUIPARAÇÃO À SEGURADORA - PRELIMINAR - OBJETO ILÍCITO - NULIDADE - EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. A apelante não pode funcionar como seguradora e nada mais é um contrato de seguro o que foi praticado nestes autos. O seu objeto é ilícito e, portanto juridicamente impossível o pedido inicial. A solução é sua nulidade.

V.V. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.07.482613-2/001, Relator(a): Des.(a) Nicolau Masselli , Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Batista de Abreu , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/04/2009, publicação da súmula em 26/06/2009)

E um mais recente:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS POR ACIDENTE DE TRÂNSITO - ART. 757, § ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL - EXIGÊNCIA DE ENTIDADE LEGALMENTEAUTORIZADA - ASSOCIAÇÃO -OBJETO ILÍCITO - PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

O parágrafo único do art. 757 do Código Civil dispõe que somente pode ser parte no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

Deve-se julgar extinto o processo sem resolução do mérito quando a ré não é uma entidade legalmente autorizada para celebrar contratos de seguro, diante da ilicitude do objeto e consequente impossibilidade jurídica do pedido. (
Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.13.076452-5/001)

O que causa surpresa é que, neste último caso, a entidade tinha sido demanda pelo “possível” associado para reclamar o pagamento de danos no veículos (possivelmente). Durante o processo a ré alegou preliminar de ilegitimidade passiva, aduzindo que o autor, ao tempo do sinistro, estava associado a outra instituição.

Acontece que o Juiz de Direito indeferiu a preliminar, daí a razão para a interposição do Agravo de Instrumento. O recurso não foi provido, mas para a felicidade da Agravante, o TJMG extinguiu o processo sem julgamento do mérito, afirmando que a atividade é ilícita.

Ficam aqui duas críticas: em primeiro lugar é questionável se a atividade é realmente ilícita, pois nada impede que um grupo de pessoas, movidas pelo senso de auto-ajuda, decidam compartilhar certa quantia, como se fosse um consórcio, para o pagamento dos danos previamente definidos. Em segundo lugar, a extinção do processo no caso acima (1.0024.13.076452-5/001) foi extremamente prejudicial ao agravado, pois ainda que o objeto da associação fosse nulo, seria enriquecimento ilícito a entidade receber o valor do seu membro, a título de prêmio, sem retribuir com o pagamento acordado pelo grupo de associados.

5.       Prova do Contrato de Seguro

5.1.  O Sofisma do Artigo 758

O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou, na falta desta, pelo respectivo comprovante de pagamento do prêmio. Assim diz o art. 758 do Código Civil.

Mas fica aqui uma incoerência gritante: se o contrato de seguro é consensual, se ele se forma com a manifestação de vontade, por que eleger um ou dois documentos como prova da existência do negócio?

O art. 758 é uma verdadeira falácia!

Aliás, num caso interessante e recente (REsp. 1.306.367/SP), o STJ julgou um caso em que uma pessoa comprou um veículo e, no dia seguinte, adotou todos os procedimentos necessários à contratação do seguro – preencheu proposta, encaminhou para a corretora de seguros, submeteu o veículo à vistoria e indicou conta bancária para o débito do prêmio. 13 dias depois o que ocorreu? O roubo do veículo segurado. Mas a seguradora até então não tinha efetuado o débito nem tinha dado qualquer resposta ao proponente. Foi só depois do sinistro, quando o segurado ligou para o pagamento da indenização, que a seguradora passou a alegar que havia restrições no CPF de um dos condutores (motivos fajutos) e que isto seria a causa da demora. Diante da recusa do pagamento, o segurado ingressou em juízo e obteve êxito nas duas instâncias. Ou seja: não se pode listar, como faz o art. 757, quais são os meios de prova da existência do contrato de seguro. Vale a leitura do acórdão! Segue a Ementa:

DIREITO CIVIL. DIREITO DOS CONTRATOS. SEGURO. CONTRATO CONSENSUAL. MOMENTO EM QUE É CONSIDERADO PERFEITO E ACABADO. MANIFESTAÇÃO DE VONTADE, AINDA QUE TÁCITA. CONTRATAÇÃO JUNTO À CORRETORA. PREENCHIMENTO DA PROPOSTA COM AUTORIZAÇÃO DE PAGAMENTO DO PRÊMIO POR DÉBITO EM CONTA. SINISTRO. OCORRÊNCIA ANTES DA EMISSÃO DA APÓLICE. NEGATIVA DE COBERTURA. DESCABIMENTO.
1. O seguro é contrato consensual e aperfeiçoa-se tão logo haja manifestação de vontade, independentemente de emissão da apólice - ato unilateral da seguradora -, de sorte que a existência da avença não pode ficar a mercê exclusivamente da vontade de um dos contratantes, sob pena de ter-se uma conduta puramente potestativa, o que é, às expressas, vedado pelo art. 122 do Código Civil. 
2. O art. 758 do Código Civil não confere à emissão da apólice a condição de requisito de existência do contrato de seguro, tampouco eleva tal documento ao degrau de prova tarifada ou única capaz de atestar a celebração da avença.
3. É fato notório que o contrato de seguro é celebrado, na prática, entre a corretora e o segurado, de modo que a seguradora não manifesta expressamente sua aceitação quanto à proposta, apenas a recusa ou emite, diretamente, a apólice do seguro, enviando-a ao contratante, juntamente com as chamadas condições gerais do seguro. Bem a propósito dessa praxe, a própria Susep disciplinou que a ausência de manifestação por parte da seguradora, no prazo de 15 (quinze) dias, configura aceitação tácita da cobertura do risco, conforme dispõe o art. 2º, caput e § 6º, da Circular Susep n. 251/2004.
4. Com efeito, havendo essa prática no mercado de seguro, a qual, inclusive, recebeu disciplina normativa pelo órgão regulador do setor, há de ser aplicado o art. 432 do Código Civil, segundo o qual "[s]e o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa". Na mesma linha, o art. 111 do Estatuto Civil preceitua que "[o] silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa". Doutrina e precedente. 
5. No caso, não havendo nenhuma indicação de fraude e tendo o sinistro ocorrido efetivamente após a contratação junto à corretora de seguros, ocasião em que o consumidor firmou autorização de pagamento do prêmio mediante débito em conta, se em um prazo razoável não houve recusa da seguradora, só tendo havido muito tempo depois e exclusivamente em razão do sinistro noticiado, há de considerar-se aceita a proposta e plenamente aperfeiçoado o contrato. Deveras, vulnera os deveres de boa-fé contratual a inércia da seguradora em aceitar expressamente a contratação, vindo a recusá-la somente depois da notícia de ocorrência do sinistro e exclusivamente em razão disso.
6. Recurso especial não provido.

5.2.  Procedimento para o Aperfeiçoamento do Contrato de Seguro

Pelo que foi exposto, não se pode afirmar peremptoriamente que é a apólice ou o comprovante de pagamento do prêmio que provam a existência do contrato de seguro, como o faz o art. 758. O contrato é mesmo consensual, pois se aperfeiçoa com a manifestação das partes. Acontece que precede à manifestação volitiva dos contratantes um pequeno procedimento.

5.2.1.         Proposta

Como nos contratos em geral, mas de uma forma mais detalhada, primeiro o interessado deve preencher uma proposta escrita (fase de puntuação) com declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. (se for do tipo automotivo, os dados do veículo, o local de risco, se tem garagem coberta, se o veículo tem garagem no trabalho, a idade do condutor etc).

5.2.2.         Vistoria e Exame Médico

Nos seguros de dano (o de veículos é o maior exemplo), procede-se em seguida a uma vistoria, que tem o escopo de assegurar que o objeto segurado realmente existe e que é segurável.

A vistoria está para o seguro de dano, assim como o exame médico está para o seguro de vida e o de saúde. No entanto, as seguradoras ignoram esta parte do procedimento para otimizar seus resultados. Para tanto, pedem apenas que o segurado assine uma declaração médica na qual o proponente apenas assinala alguns campos, afirmando se já se submeteu ou não a algum procedimento cirúrgico, se tem alguma doença, se já ficou internado etc.

Neste momento o proponente deveria agir com boa fé e informar eventuais ocorrências anteriores, mas muitas vezes a proposta é assinada em branco. O corretor, afoito pela comissão, debita o prêmio e comemora o recebimento da comissão. A seguradora, por sua vez, confirma o negócio.

No entanto, posteriormente ocorre o sinistro – morte, doença incapacitante, necessidade de procedimento cirúrgico e cuidados médicos etc – e a seguradora acaba por alegar, em sua defesa, a conhecida tese do “mal pré-existente”. Alega que o segurado não faz jus ao capital ou à cobertura contratada por violação da boa fé, eis que localizou inúmeros prontuários médicos anteriores que comprovam que o segurado padecia de alguma enfermidade e que isso deveria ter sido informado na fase pré-contratual.

Como decidir uma questão como esta? Afinal, o segurado está de má fé por violar o dever de informação, mas a seguradora assumiu o risco da contratação sem tomar as devidas precauções.

5.2.3.         A Tese do Mal Pré-Existente e a Boa Fé na Fase de Preliminar do Contrato de Seguro

Dois são os julgados mais relevantes do STJ sobre esta questão. O primeiro é da 4ª Turma:

CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. DOENÇA PREEXISTENTE. SONEGAÇÃO DE INFORMAÇÃO. PROPÓSITO DELIBERADO DE FRAUDAR CONTRATO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA.
1. É indevido o pagamento de indenização decorrente de contrato de seguro de vida se constatado que a parte segurada, ao firmar o ajuste, agiu com o propósito deliberado de fraudar o contrato, sonegando informações relevantes acerca de seu estado de saúde. Precedentes.
2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1.003.302/SP)

Neste caso a seguradora saiu vitoriosa, pois comprovou que o falecido segurado padecia de etilismo crônico (um estágio avançado do alcoolismo) e que faleceu de cirrose hepática. No entanto, no momento da proposta, o segurado deixou de informar que tinha se submetido a internações e tratamentos médicos anteriores, o que ficou comprovado nos autos.

O segundo precedente é da 3ª Turma, que também compõe a 2ª Seção do STJ:


EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CARÁTER EXCLUSIVAMENTE INFRINGENTE. ACLARATÓRIOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO. EXAME PRÉVIO. NECESSIDADE. DOENÇA PRÉ-EXISTENTE. CONHECIMENTO PELO SEGURADO. MÁ-FÉ. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7 DO STJ. 
1. A doença preexistente pode ser oposta pela seguradora ao segurado quando houver prévio exame médico ou prova inequívoca da má-fé do segurado. Precedentes específicos. 2. Embargos declaratórios recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. (EDcl no Ag 1162957/DF)

Este julgado sintetiza muito bem o que se deve aprender com a pergunta formulada: A alegação de mal pré-existente no seguro de vida ou de saúde pode ser oposta em dois casos:

è  Quando houver prévio exame médico ou
è  Prova inequívoca da má-fé do segurado

A diferença é que, neste último precedente (EDcl no Ag 1162957/DF), o STJ confirmou o entendimento das instâncias inferiores de que não havia prova da má fé do segurado. Assim, quem logrou êxito na demanda foi o segurado ou os beneficários.

Em um caso mais recente (AgRg no REsp 1.215.413/MT), foi constatado novamente que segurado agiu de má fé, pois foi comprovado o diagnóstico prévio de “corpulmonale[2], crise asmática e diabetesmellius”.

5.2.4.         Prazo de Análise da Proposta. Silêncio Qualificado

Voltando ao procedimento, após a vistoria/exame (se for o caso), a corretora – no contrato de seguro sempre haverá um intermediador – repassa a proposta para a seguradora, que tem 15 dias para decidir se aceita ou não a proposta, sendo que a ausência de manifestação por parte da seguradora, no prazo de 15 (quinze) dias, configura aceitação tácita da cobertura, conforme dispõe o art. 2º, caput e § 6º, da Circular Susep n. 251/2004.

5.2.5.         A Apólice e o Bilhete de Seguro

5.2.5.1.    Conceito

A apólice e o bilhete são documentos que concentram as informações mais importantes do contrato. A diferença é que o bilhete é documento mais simplificado, de bolso, como uma passagem de transporte interestadual. Dentre outras informações, a apólice menciona os dados do segurado, o objeto segurado, a vigência do contrato e as coberturas. Num seguro automotivo, por exemplo, constará a cobertura contra casco, que cobra avarias no próprio veículo segurado, e possivelmente contra terceiros, por danos materiais ou morais. 

5.2.5.2.    A Apólice de Seguro de Vida

Certas apólices, como a de seguro de vida, que possuem coberturas contra morte e invalidez, são dotadas de atributos de certeza e liquidezm a ponto de serem considerados títulos executivos extrajudiciais, nos termos do art. 585, III, do CPC, de tal forma que o segurado, ou os respectivos beneficiários, podem ingressar diretamente com uma ação de execução contra a companhia seguradora para exigir o pagamento do capital segurado, em caso de recusa indevida quanto ao pagamento do capital segurado.   

5.2.5.3.    Conteúdo

Como dito, a lei exige que a apólice e o bilhete tenham um conteúdo mínimo, pois devem mencionar os riscos assumidos (riscos cobertos ou interesses legítimos segurados), o início e o fim de sua validade (vigência), o limite da garantia e o prêmio devido (coberturas), e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário. (art. 760)

5.2.6.         Classificação

O Art. 760 tem péssima redação, pois ao estabelecer que a apólice e o bilhete serão nominativos, à ordem ou ao portador, a lei fez uma mistura grotesca e não atendeu ao princípio da operabilidade. Isso porque, a rigor, tanto um título nominativo como o ao partador podem ser à ordem ou não. Para facilitar a compreensão, é melhor traçar uma breve classificação com diferentes critérios, conforme abaixo:

5.2.6.1.    Quanto à Indicação do Segurado ou Beneficiário

a)       Títulos Nominativos e ao Portador

As apólices e bilhetes nominativos são os que indicam a pessoa do beneficiário, enquanto que os títulos (apólice e bilhete) ao portador são aqueles que não fazem esta indicação. Numa expressão leiga, os títulos ao portador são títulos em branco.

Aqui há uma exceção importante: No seguro de pessoas (vida e saúde), a apólice ou o bilhete não podem ser ao portador. (art. 760, p. único)


5.6.1.2. Quanto à Forma de Circulação

a)       Títulos à Ordem e Não à Ordem

Tanto uma como outra espécie, apólice e bilhete nominativos ou ao portador, podem circular por endosso ou cessão civil de crédito. Isso dependerá se o título apresentar a cláusula à ordem ou não à Ordem. Os da primeira espécie (títulos à ordem) são transferidos mediante endosso, um ato cambial próprio da sistemática dos títulos de crédito, que serve para transferir a titularidade do crédito e, como regra, vincula o endossante ao pagamento da obrigação materializada no título. Só por curiosidade, em alguns títulos de crédito a cláusula à ordem é essencial, sob pena de nulidade, como é o caso das duplicatas (art. 2º, da Lei 5.474/76) e em outros é um elemento facultativo, como é o exemplo do cheque (Lei 7.357/85).

b)       Regras Específicas para a Circulação/Tranferência da Apólice e do Bilhete

Apesar de o Código Civil traçar uma classificação que aproxima a apólice e o bilhete dos títulos de créditos, ele acaba por impor algumas condições ou requisitos para a transferência do título a terceiros que acabam por afastar tais documentos da natureza dos títulos cambiais.

Em primeiro lugar, a transferência a terceiros é válida e juridicamente possível, salvo disposição contratual em sentido contrato (art. 785, caput). Ou seja, o contrato de seguro pode impedir a transferência do título a terceiros.

Geralmente as seguradoras vedam a transferência a terceiros, até porque se isso fosse feito sem prévio conhecimento das companhias, não seria possível a avaliação do risco, o que comprometeria inclusive todo o grupo segurado. Além disso, em uma rápida pesquisa pela internet é fácil localizar a cláusula que condiciona a transferência da apólice a terceiros mediante a autorização da seguradora. A título de exemplo, observe como essa disposição vem redigida nos manuais dos contratos:

Sua apólice corresponde aos dados que foram submetidos e aceitos pela Sul América. Ela não pode ser transferida ou cedida a terceiros, mesmo que venda seu veículo, sem prévia comunicação e expressa concordância da Seguradora.[3]

 Portanto, a regra do art. 785 quebra a sistemática da circulação dos títulos à ordem, pois não adianta uma apólice ou bilhete ostentar esta cláusula, vez que a transmissão inter vivos somente é admitida com expressa autorização da seguradora. Diante disso, não há motivos para classificar uma apólice ou bilhete como títulos à ordem, que na essência podem ser transferidos independentemente da anuência do devedor.

Aliás, é nítido que o Código Civil, quando trata da circulação, tem em vista a cessão civil de crédito e não o endosso como forma de circulação. Isso fica nítido no art. 785,§1º:

Art. 785. Salvo disposição em contrário, admite-se a transferência do contrato a terceiro com a alienação ou cessão do interesse segurado.

§ 1o Se o instrumento contratual é nominativo, a transferência só produz efeitos em relação ao segurador mediante aviso escrito assinado pelo cedente e pelo cessionário.

Em reforço ao argumento de que o regime de transferência da apólice ou bilhete está no próprio art. 290, dispositivo específico da cessão civil de crédito:

Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.

Com efeito, em havendo autorização contratual para a transmissão inter vivos, ainda é preciso que o cedente e o cessionário notifiquem a seguradora se a apólice for da espécie nominativa.
Para finalizar, vejo outra incongruência no §2º do art. 785, pois ele prescreve que a apólice ou o bilhete à ordem só se transfere por endosso em preto, datado e assinado pelo endossante e pelo endossatário. Na verdade onde o legislador mencionou “à ordem”, deve-se entender “ao portador”, pois assim como está previsto na lei não faz sentido algum. Título à ordem é uma coisa e o ao portador é outra. É o título ao portador que não indica quem é o beneficiário e que deve, portanto, ser transferido – não por endosso – mas por cessão civil.

Ou seja, é muita falta de técnica e desconhecimento dos institutos relacionados à transmissão dos títulos representativos de créditos!

c)       Súmula 465 do STJ (Cessão Forçada do Contrato de Seguro)

Como visto, o contrato de seguro pode impedir a transferência do contrato a terceiros e assumir com isso o caráter personalíssimo. Nesta hipótese, o segurado embora esteja impedido de transferir o contrato, pode vender o veículo. E sobre a transferência do veículo o STJ editou a Súmula 465: “Ressalvada a hipótese de efetivo agravamento do risco, a seguradora não se exime do dever de indenizar em razão da transferência do veículo sem a sua prévia comunicação.”

Para ilustrar, imagine a seguinte situação: a madeireira X contratou seguro para um caminhão Scania com a seguradora Z. O prêmio foi integrante pago, mas a madeireira X vendeu este veículo para madeira Y, que pagou o preço mediante a realização de um contrato de arrendamento mercantil (leasing). Acontece que o caminhão, já em posse da compradora-arrendatária, foi roubado. Diante disso, a empresa de arrendamento mercantil (leasing), que é a dona do veículo (foi ela que pagou o preço), ingressou com a ação de cobrança da cobertura securitária, mas a seguradora recusou o pagamento, alegando que não houve comunicação da venda do caminhão, falta do dever de informação, quebra da boa fé, que o contrato de seguro é celebrado levando-se em consideração a pessoa do segurado.... Apesar do esforço, a seguradora levou a pior, pois o STJ entendeu que não houve agravamento do risco porque a empresa que adquiriu o veículo (madeireira Y) atuava no mesmo ramo que o segurado. Além disso, como o prêmio foi integralmente pago e o sinistro ocorreu durante a vigência da apólice, seria enriquecimento sem causa da seguradora deixar de pagar a garantia contratual.

A Súmula 465 do STJ, a meu ver, ignora completamente os deveres anexos de colaboração, lealdade e confiança da boa fé. Inclusive, ela acaba por criar uma espécie de cessão obrigatória do contrato de seguro. O caso pode ser visto em detalhes no REsp 600.169-ES, que foi ementado nos seguintes termos:

“[...] I - A empresa-demandante não pleiteia em juízo direito alheio, mas sim próprio, decorrente da aquisição da propriedade dos bens segurados. II - Restou consignado nas Instâncias ordinárias, que, além da transferência da propriedade do bem segurado não ser vedada em lei, não houve qualquer majoração dos riscos, pois o então adquirente desempenhava o mesmo trabalho do contratante originário; III - São fatos incontroversos nos autos que a Seguradora recebeu o pagamento do prêmio pontualmente e o sinistro ocorreu em período coberto pela apólice contratada, devendo, por isso ser responsabilizada pela indenização, sob pena de incorrer em enriquecimento sem causa, [...]”

6.       O Prêmio. Principal Obrigação do Segurado

6.1.  Conceito

Em troca da garantia de proteção ao seu legítimo interesse, cabe ao segurado a principal obrigação de pagamento de uma quantia pecuniária que será destinada a um fundo que servirá para o pagamento dos valores devidos em caso de sinistro. Esta contraprestação tem o nome de prêmio. Muitos operadores do direito, inclusive juízes, fazem confusão terminológica dizendo freqüentemente que o segurado faz jus ao “prêmio”. Não se pode confundir uma coisa com outra. Prêmio é a contraprestação paga pelo segurado e não o valor ou a proteção recebida em caso de sinistro.

6.2.  Mora no Pagamento do Prêmio, Purgação da Mora e Direito à Cobertura Securitária

O devedor deve cumprir a obrigação no tempo, local e modo ajustados no contrato. Este comportamento é corolário do dever de lealdade é deve ser observado. No entanto, algumas obrigações têm um termo certo para serem cumpridas e outras não, sendo diversos os procedimentos para a exigência de uma e outra.

6.2.1.         Mora Ex Re

A mora ex re é aquela que se configura automaticamente com o vencimento da dívida. Ela dispensa qualquer tipo de interpelação, por parte do devedor (dies interpellat pro homine), pois a obrigação tem uma data certa para ser cumprida. Neste caso, todos os efeitos moratórios são produzidos desde então.

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

6.2.2.         Mora Ex Persona

Por outro lado, algumas obrigações não estão sujeitas a um termo certo e determinado para serem adimplidas, de modo que, para a caracterização da mora e do inadimplemento, é preciso uma iniciativa do credor, que se realiza mediante notificação do devedor para o cumprimento. Só após a interpelação, portanto, é que se poderá falar em mora e em notificação.

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

6.2.3.         Mora do Pagamento do Prêmio no Contrato de Seguro

6.2.3.1.    Previsão Legal (art. 763)

De acordo com o art. 763 do Código Civil, não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.

Como se vê, a lei dispõe que a mora do segurado é automática (ex re), pois para se purgar a mora é preciso estar caracterizada a mora. Assim, se o segurado não pagar o prêmio até a data estipulada, ocorrendo o sinistro antes da quitação do valor em atraso (quitação), ele não teria direito à indenização.

Sucede que este comando legal não é aplicado dessa forma pelos Tribunais. Alias, como se verá, mesmo se o segurado estiver em atraso a segurado deve efetuar o pagamento do prêmio, devendo deduzir do valor pago os valores em atraso. Seria muita condescendência para com os maus pagadores?

Em seguida analisaremos algumas orientações doutrinárias e teses que gravitam em torno do art. 763.

6.2.3.2.    Mora Ex Personae. Entendimento Doutrinário e Jurisprudencial

Ao contrário do que indica o art. 763, para a doutrina e jurisprudência a mora não é automática (ex re), mas ex persona, pela necessidade de notificação prévia do segurado para constituí-lo em mora. Inclusive a jurisprudência pacífica do STJ considera nula a cláusula resolutiva expressa (art. 474[4]), que considera extinto o contrato pela falta de pagamento do prêmio na data do vencimento.

Argumentos para tais entendimentos é o que não falta. Para se ter uma idéia, nas jornadas de Direito Civil foi aprovado o seguinte Enunciado:

Enunciado n. 376, da IV Jornada:

376 - Para efeito de aplicação do art. 763 do Código Civil, a resolução do contrato depende de prévia interpelação.

Os responsáveis pelo Enunciado acima, Guilherme Couto de Castro e Marcos Jorge Catalan, não apresentaram, no meu ponto de vista, argumentos sólidos para justificar este posicionamento. Chegaram a mencionar argumentos de autoridade, ao dizer que no direito comparado é preciso a notificação prévia (direito português, italiano e espanhol). Ademais, mencionaram proposta de alteração do art. 763 que pretende incorporar no texto a necessidade de interpelação e disseram que as seguradoras contabilizam lucros astronômicos que ultrapassam, no Brasil, os 40 bilhões de reais anuais. (CASTRO; CATALANapud TARTUCE, 2014)

Mas não há dúvida alguma que a jurisprudência do STJ acolhe este posicionamento, como se infere do julgado abaixo (AgRg no REsp 1.255.936/PE):

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. SEGURO. VEÍCULO. NEGATIVA DE COBERTURA. ATRASO NO PAGAMENTO DE PRESTAÇÕES. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO DA MORA. SÚMULA 83/STJ. 1. O atraso no pagamento de prestações do prêmio do seguro não determina a resolução automática do contrato de seguro, exigindo-se a prévia constituição em mora do contratante pela seguradora, mostrando-se indevida a negativa de pagamento da indenização correspondente. 2. Incidência da súmula 83/STJ. 3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

Mas tudo tem seu limite. Em certo julgado o STJ reconheceu que o atraso de 15 meses, sem a devida notificação, configurou situação de abuso, e aí sim entendeu-se que o segurado estava em atraso (em mora). Veja a ementa do julgado (REsp 842.408/MG):

SEGURO DE VIDA. ATRASO NO PAGAMENTO. AUSÊNCIA DE INTERPELAÇÃO. - Normalmente, para que se caracterize mora no pagamento de prestações relativas ao prêmio é necessária a interpelação do segurado. Mero atraso não basta para desconstituir a relação contratual. - A cláusula de cancelamento do seguro sem prévia notificação deixa de se abusiva, se o segurado permanece em mora há mais de 15 (quinze) meses. - Em homenagem à boa-fé e à lógica do razoável, atraso superior a um ano não pode ser qualificado como "mero atraso no pagamento de prestação do prêmio do seguro" (REsp 316.552/PASSARINHO, grifei). A ausência de interpelação por parte da seguradora não assegura, no caso, o direito à indenização securitária.

6.2.3.3.    Crítica

Então qual seria o limite de tolerância jurídica da inadimplência? 5, 6, 7, 15....? O certo é que tal resposta não pode ser dada sem muito esforço argumentativo. Talvez ela varie em função das circunstâncias sociais e econômicas...

De qualquer forma, o argumento principal utilizado pelos tribunais e pelos doutrinadores para fazer valer esta tese se encontra no art. 51, I do CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

É que o mencionado artigo é de uma abrangência tão ampla que pode servir de molde para argumentos de todos os gêneros, do tipo “eu não te pago porque você fatura milhões”. Quer dizer, na forma, o argumento seria: a cláusula de resolução automática é nula porque é iníqua (?), abusiva (?), porque cola o consumidor em desvantagem exagerada (?), porque incompatível com a boa fé e equidade (?). No fundo o argumento é basicamente aquele: “eu não te pago porque você fatura milhões”.



6.2.3.4.    E ainda tem a Tese do Adimplemento Substancial

Que diferença faz a falta de pagamento de uma parcela? O STJ há muito já vinha entendendo desde 1995 que o atraso no pagamento de apenas uma prestação do prêmio não autoriza a seguradora a dar por extinto o contrato (REsp 76.362/MT):

SEGURO. INADIMPLEMENTO DA SEGURADA. FALTA DE PAGAMENTO DA ULTIMA PRESTAÇÃO. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL. RESOLUÇÃO. A COMPANHIA SEGURADORA NÃO PODE DAR POR EXTINTO O CONTRATO DE SEGURO, POR FALTA DE PAGAMENTO DA ULTIMA PRESTAÇÃO DO PREMIO, POR TRES RAZÕES: A) SEMPRE RECEBEU AS PRESTAÇÕES COM ATRASO, O QUE ESTAVA, ALIAS, PREVISTO NO CONTRATO, SENDO INADMISSIVEL QUE APENAS REJEITE A PRESTAÇÃO QUANDO OCORRA O SINISTRO; B) A SEGURADORA CUMPRIU SUBSTANCIALMENTE COM A SUA OBRIGAÇÃO, NÃO SENDO A SUA FALTA SUFICIENTE PARA EXTINGUIR O CONTRATO; C) A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DEVE SER REQUERIDA EM JUIZO, QUANDO SERA POSSIVEL AVALIAR A IMPORTANCIA DO INADIMPLEMENTO, SUFICIENTE PARA A EXTINÇÃO DO NEGOCIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

O acórdão não deixa a situação muito clara, mas parece que no caso a seguradora não tinha notificado o segurado para a constituição da mora. Portanto a questão que fica é: a tese do adimplemento substancial se aplica até mesmo se a seguradora promover a notificação para a constituição da mora?

Parece-me que a resposta pode ser encontrada no julgamento do REsp 415971/SP que apenas a falta de pagamento da última parcela pode ser considerado inadimplmento substancial:

Civil. Art. 1450 do Código Civil. Inadimplemento de contrato de seguro. Falta de pagamento de mais da metade do valor do prêmio. Indenização indevida pelo sinistro ocorrido durante o prazo de suspensão do contrato, motivada pela inadimplência do segurado. - A falta de pagamento de mais da metade do valor do prêmio é justificativa suficiente para a não oneração da companhia seguradora que pode, legitimamente, invocar em sua defesa a exceção de suspensão do contrato pela inadimplência do segurado. - Apenas a falta de pagamento da última prestação do contrato de seguro pode, eventualmente, ser considerada adimplemento substancial da obrigação contratual, na linha de precedentes do STJ, sob pena de comprometer as atividades empresariais da companhia seguradora.

Por fim, registra-se que a Teoria do Adimplemento Substancial vem sendo aplicada em inúmeros contratos, como no arrendamento mercantil e na alienação fiduciária, retirando do credor a alternativa da reintegração de posse ou busca e apreensão, conforme o caso, forçando-o a optar pela execução dos valores vencidos.

E no âmbito doutrinário foram editados dois enunciados sobre o tema nas Jornadas de Direito Civil:

361 – Arts. 421, 422 e 475. O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.

371 - A mora do segurado, sendo de escassa importância, não autoriza a resolução do contrato, por atentar ao princípio da boa-fé objetiva.

6.3.  Caráter Comutativo do Prêmio e Aleatório da Garantia

O contrato deve ser classificado como comutativo ou aleatório se houver ou não, respectivamente, certeza quanto à exigência do seu cumprimento, seja qual for sua extensão ou condições. Dessa maneira, a prestação do segurado é comutativa porque, a teor do artigo 764 do CC, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio.

Isto é, a prestação do segurado é líquida e certa e será exigida necessariamente. Já a cobertura, ou a garantia securitária, pode variar em sua extensão. Basta imaginar um seguro de dano, como o de incêndio, por exemplo, que é obrigatório no condomínio edilício (art. 1.346[5]). Entenda-se: o valor da indenização pode variar conforme a extensão do dano (art. 944), aliás o seu montante está vinculado à extensão do prejuízo.

Mesmo assim, as apólices contemplam um valor máximo da cobertura, que no jargão securitário é chamado de Importância Segurada (I.S), no seguro de dano. 50.000,00 reais para danos materiais, por exemplo. Mas o que eu quero dizer é que, independentemente desta previsão que impõe um limite à garantia, a prestação da seguradora não perde a natureza aleatória, pois é incerto se o risco vai ou não se implementar (roubo, furto, colisão etc).

7.       A Boa Fé Objetiva e o Contrato de Seguro

7.1.  Considerações Iniciais

Este tópico sem dúvida é um dos mais repletos de exemplos em matéria de contratos. A relação da boa fé com o contrato de seguro é tão próxima que já constava até do Código Civil de 1916:

Art. 1443. O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

Elevado à categoria de princípio geral, a boa fé como visto é mencionada em diversos dispositivos da parte geral, art. 113, 187 e 422, de onde se extraem as suas funções interpretativa, de controle e integrativa, respectivamente. E também tem consectário no capítulo do contrato de seguro, no art. 765, um dos mais importantes dispositivos desta modalidade contratual. Vejamos:

Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

Em arremate, frisa-se que tudo o que foi exposto a respeito da boa fé quando do estudo da parte geral se aplica ao contrato de seguro, a exemplo do que se viu sobre a aplicação da boa fé nas fases pré-contratual, fase contratual e pós-contratual, sobre as funções da boa fé, deveres anexos e institutos relacionados, como a surrectio, supressio, venire contra factum propriumduty to mitigate the own lost etc.

7.2.  Exemplos de Aplicação da Boa Fé Objetiva na Fase Pré-Contratual

7.2.1.         A Tese de Mal Pré-existentes nas Apólices Contratadas sem Exame Médico

a)       Jurisprudência

Esta polêmica foi abordada quando do estudo da fase preliminar do contrato de seguro. Como visto, a posição do STJ é a de que: “[...] A doença preexistente pode ser oposta pela seguradora ao segurado quando houver prévio exame médico ou prova inequívoca da má-fé do segurado. [...]” (EDcl no Ag 1162957/DF)

b)       Dever de Informação e Lealdade na Fase Pré-contratual

O posicionamento do STJ acima citado alinha-se ao que está disposto no artigo 766, caput e p. único do CC:

Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.

Está em sintonia porque, em havendo prova inequívoca da má fé, o segurado perde o direito à garantia. Por outro lado, se não houver prova da má fé (ônus da seguradora), podem acontecer duas situações distintas:

è  A declaração inexata ou circunstância não revelada são descobertas antes da ocorrência do sinistro: abre-se a possibilidade da seguradora exigir a resolução do contrato.
è  A declaração inexata ou circunstâncias são apuradas após a verificação do sinistro. Neste caso, a seguradora deve efetuar o pagamento, mas tem direito de receber a diferença do prêmio.

Anote-se que a tese de mal pré-existente é uma argumentação da seguradora no sentido de que o segurado violou o dever de informação (anexo da boa fé) no momento pré-contratual, mas muitas é ela que acaba por violar a boa fé no momento de execução do contrato, ao quebrar a legítima expectativa do segurado.

Em certo caso, por exemplo, o segurado foi acometido por um tumor cerebral maligno, tendo que se submeter em caráter emergencial à intervenção cirúrgica e tratamento quimioterápico, mas os procedimentos foram recusados pela seguradora, que justificou aduzindo que a doença não havia sido informada na declaração de saúde assinada. Como não houve prova inequívoca da má fé na fase pré-contratual, quem pagou a conta no final foi a seguradora. E mais: neste caso o segurado ainda logrou receber R$ 50.000,00 a título de compensação por danos morais (REsp 880.035-PR)

Por fim, vale registrar que o entendimento sobre esta matéria também foi objeto de Enunciado no CJF:

372 - Em caso de negativa de cobertura securitária por doença pré-existente, cabe à seguradora comprovar que o segurado tinha conhecimento inequívoco daquela.

7.3.  Exemplos de Aplicação da Boa Fé Objetiva na Fase Contratual

7.3.1.         Cláusula Limitativa do Tempo de Internação Hospitalar

A cláusula que limita o tempo de internação hospitalar do segurado é abusiva, nos termos da Súmula 302 do STJ: "É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado". Mesmo diante da expressa previsão contratual de uma cláusula limitativa como esta, há quebra da legítima expectativa e frustração do dever de lealdade, colaboração e proteção do segurado. Por isso a violação ocorre no momento da execução do contrato.

No caso dos plano de saúde, que na essência é um contrato de trato sucessivo e contínuo, seus efeitos estão subordinados às modificações legislativas ocorridas com o tempo. Assim, não adiante a seguradora argumentar que antes da Lei 9.656/98 era possível a limitação das diárias de internação, pois o Código de Defesa do Consumidor, norma de ordem pública, aplica-se ao contrato, mesmo tendo sido editado após a data da contratação do seguro.

1. Aplicação da Lei 9.656/98 a contratos anteriores à sua vigência. Embora as disposições do aludido diploma legal, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, não retroajam para atingir contratos celebrados antes de sua vigência (quando não adaptados ao novel regime), a eventual abusividade das cláusulas pode ser aferida à luz do Código de Defesa do Consumidor. Isto porque "o contrato de seguro de saúde é obrigação de trato sucessivo, que se renova ao longo do tempo e, portanto, se submete às normas supervenientes, especialmente às de ordem pública, a exemplo do CDC, o que não significa ofensa ao ato jurídico perfeito" (AgRg no Ag 1.341.183/PB, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 10.04.2012, DJe 20.04.2012). Precedentes. 2. Recusa indevida, pela operadora de plano de saúde, da cobertura do custeio de tratamento médico do beneficiário. Ainda que admitida a possibilidade de previsão de cláusulas limitativas dos direitos do consumidor (desde que escritas com destaque, permitindo imediata e fácil compreensão), revela-se abusiva a cláusula do contrato de plano de saúde excludente do custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento clinico ou do procedimento cirúrgico coberto ou de internação hospitalar. Precedentes. (AgRg no AREsp 300954-SP)
 
7.3.2. Dever de Minorar as Próprias Perdas (Duty to Mitigate the own Lost)

Não é porque o segurado tem direito a uma indenização securitária que ele não precisa fazer nada para evitar a majoração dos danos. Aliás, há dispositivo expresso no contrato de seguro que impõe este dever ao segurado: Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências.

Em certo caso (REsp 256.274-SP), houve um incêndio na cozinha de um hotel que tinha apólice de seguro com cobertura para este tipo de evento. Por questões que não vem ao caso, a seguradora recusou-se ao pagamento num primeiro momento, mas acabou sendo condenada judicialmente. Sendo assim, além dos danos emergentes suportados pelo segurado com a danificação do cômodo, instalações e utensílios, o segurado também suportou danos com lucros cessantes, pois, afinal de contas, deixou de atender clientes no período em que a cozinha necessitava de reformas.

No entanto, com o pagamento do valor integral da garantia contratada para cobrir os danos emergentes, (isso em 04.10.84), o segurado deveria utilizar este valor para efetivar os reparos no local e minorar as consequências de seu prejuízo. No entanto, o segurado recebeu o valor, não efetivou os reparos da cozinha, e executou contra a seguradora um valor residual que entendeu devido a título de lucros cessantes.

7.3.2.         A Tese do Agravamento do Risco

7.3.2.1.    Previsão Legal

Outra tese muito utilizada pelas seguradoras para se eximir do pagamento da garantia contratada é a tese do agravamento do risco. Esta tese se baseia na falta do dever de informação e lealdade do segurado durante a fase de cumprimento do contrato, pois ele é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé. (art. 769)

Em tal situação, se a seguradora for comunicada, ela poderá, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.

Além do mais, a perda do direito à garantia também se dá, com mais razão, se o segurado agravar intencionalmente o risco objeto do contrato (art. 768) Passemos então à análise de algumas situações específicas e diretamente relacionadas com os artigos mencionados:

7.3.2.2.    Embriaguez 

 Vários problemas podem surgir quando o assunto é embriaguez no contrato de seguro. Vamos abordá-los por partes.

a)       Embriaguez como Causa Determinante do Acidente.

A primeira polêmica a se analisar centra-se nas seguintes questões: O segurado que conduz o veículo embriagado, mas que tem o carro danificado por culpa de terceiro perde o direito à cobertura? Em termos mais técnicos: A embriaguez, por si só, pode ser considerada uma causa de exclusão da cobertura securitária pelo agravamento do risco?

Para ilustrar, imagine o exemplo de um segurado que ingeriu bebida alcoólica em um bar em limite muito acima do legalmente permitido e voltou para a casa dirigindo o veículo. Porém, no caminho de volta o segurado passa por um cruzamento, mas é atingido violentamente por outro carro, cujo condutor desrespeitou o sinal vermelho, que acabou por ocasionar a morte do segurado. Suponha que o laudo do IML constatou que a vítima tinha ingerida quantidade excessiva de bebida alcoólica. Neste caso a seguradora poderia alegar a tese de agravamento do risco?

Em recente decisão, julgada em 25/11/14 e publicada no DJe em 10/12/14 (AgRg no AREsp 289002-MG), o STJ entendeu que “[...] a embriaguez, por si só, não configura a exclusão da cobertura securitária em caso de acidente de trânsito, ficando condicionada a perda da indenização à constatação de que aembriaguez foi causa determinante para a ocorrência do sinistro. [...]”

Portanto, a orientação do STJ está firmada neste sentido. Inclusive o relator do acórdão destacou duas decisões anteriores, uma da Terceira Turma (AgRg no AREsp 57.290/RS) e outra da Quarta Turma (AgRg no REsp 959.472/PR) que seguiram este entendimento.

Ainda sobre esta questão, o STJ já entendeu, no caso de um condutor que estava alcoolizado e morreu após bater num poste, que não haveria necessariamente prova do nexo entre o acidente e a embriaguez e reformou a decisão do TJPR que tinha excluído dos beneficiários o direito à garantia (REsp 1.012.490-PR). Não concordo com a posição do Tribunal Superior, porque isso para mim é literalmente “forçar a barra”, pois para mim é muito clara a ligação entre a batida no poste e o estado de embriaguez do condutor.

Em resumo, para o STJ a embriaguez só é agravamento do risco e, portanto, causa excludente da garantia, se ela for a causa determinante do acidente (conditio sine qua non). A pergunta que deve ser feita é: o acidente teria ocorrido mesmo sem o estado de embriaguez? Para o exemplo acima, a resposta é afirmativa e, portanto, os beneficiários do seguro de vida teriam direito à garantia contratual.

b)       Empréstimo do Veículo e Acidente com o Comodatário Embriagado

Outra questão levantada em relação à embriaguez é: resolvo emprestar meu veículo para um amigo de confiança, mas ele acaba por causar um acidente de trânsito após ter feito ingestão de bebida alcoólica? Temos um contrato de comodato (empréstimo de bem infungível) e a pergunta que fica é: a seguradora pode alegar a tese de agravamento do risco?

A resposta é negativa, exceto se a seguradora comprovar (prova diabólica) que o segurado sabia que o comodatário faria uso de bebida alcoólica antes de emprestar o carro.

Inclusive há uma recente decisão neste sentido (proferida em 01/12/14 e publicada no DJe em 12/12/14):

SEGURO DE VEÍCULO. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. EMBRIAGUEZ DO CONDUTOR. EMPRÉSTIMO DO VEÍCULO. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. 1. O mero empréstimo do veículo a terceiro, sem a ciência de que viria ele a conduzir embriagado, não configura, por si só, o agravamento intencional do risco por parte do segurado apto a afastar a cobertura securitária. 2. Os valores da cobertura de seguro de vida devem ser acrescidos de correção monetária a partir da data em que celebrado o contrato entre as partes. Precedentes. 3. Os juros de mora devem fluir a partir da citação, na base de 0,5% ao mês, até a entrada em vigor do novo Código Civil (11.1.2003) e, a partir daí, nos termos de seu art. 406. 4. Recurso especial provido. (REsp 1.071.144/SP)

No caso acima citado, uma mulher, que contratou seguro automotivo, emprestou ao seu noivo o veículo objeto do contrato. Logo, o noivo é o terceiro e comodatário. Pois bem. O noivo foi para um churrasco, tomou “algumas cervejas”, segundo ele, e depois bateu com o carro e deu PT. Ele não quis fazer o exame da coleta de sangue, mas os exames clínicos juntados ao processo revelaram que ele estava em estado de embriaguez.

A seguradora recusou-se ao pagamento da cobertura, diante do caso narrado, mas a segurada acionou-a no Poder Judiciário. Perdeu na primeira e segunda instâncias, mas, de novo, o STJ deu provimento ao recurso especial com o entendimento de que “[...] o mero empréstimo do veículo a terceiro, sem a ciência de que viria ele a conduzir embriagado, não configura, por si só, o agravamento intencional do risco por parte do segurado apto a afastar a cobertura securitária.[...]” Será mesmo que a segurada não sabia que o seu noivo ia para o churrasco ou será que ele inventou outra estória?

7.3.3.         Diminuição do Risco

O agravamento do risco pode acarretar a perda da garantia contratual, embora não se possa deixar de analisar os problemas concretos à luz da boa fé objetiva. Mas a oscilação do risco no curso do contrato nem sempre pode se agravar, pendendo contra a seguradora. Também é possível a redução deste risco e nesta situação é de se questionar: o prêmio poderá sofrer redução? A resposta está no art. 770:

Art. 770. Salvo disposição em contrário, a diminuição do risco no curso do contrato não acarreta a redução do prêmio estipulado; mas, se a redução do risco for considerável, o segurado poderá exigir a revisão do prêmio, ou a resolução do contrato.

A regra está em sintonia com a teoria quebra da base objetiva, prevista no art. 6º do CDC, permitindo que o segurado possa exigir a revisão judicial do prêmio se a redução do risco for considerável. Aliás, o único requisito é este – redução considerável do risco. Em tal situação, a primeira e necessária medida a ser adotada é a revisão do contrato, em face do princípio da conservação do negócio jurídico. Somente frustrada esta possibilidade é que se pode recorrer à resolução pelo inadimplemento involuntário.

7.3.4.         Emissão da Apólice com Risco Inexistente

A seguradora também pode agir maliciosamente durante o cumprimento do contrato. O art. 773 cogita uma das hipóteses possíveis:

Art. 773. O segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado.

Como exemplo, cite-se a hipótese do locatário que firma proposta de seguro fiança locatícia, mas durante o tempo de exame dela, desiste da alugar o imóvel inicialmente em vista. E mesmo sabendo da desistência, informação do corretor, por exemplo, a seguradora decide emitir a apólice. Neste caso, o pagamento em dobro funciona como uma pena privada. 

7.4.  Exemplos de Violação da Boa Fé na Fase Pós-Contratual

7.4.1.         Renovação Forçada do Seguro de Vida Individual

Um bom exemplo de violação da boa fé, para mim ocorrido no momento pós-contratual, está no REsp 1.073.595-MG, que foi julgado pela 2ª Seção do STJ[6]. O caso se despertou curiosidade especial, pois a defesa da seguradora foi patrocinada por escritório no qual já tive a honra de trabalhar como advogado.

Em síntese, foi firmado um contrato de seguro com renovação anual automática por 30 anos. No final deste longo período, a seguradora verificou que o preço do prêmio deveria se submeter a um reajuste para a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do contrato. No entanto, como houve, no entendimento dos juízes que decidiram o caso, uma variação abrupta e repentina no valor do prêmio, a seguradora se valeu de uma cláusula contratual que permitia a resilição unilateral do contrato mediante notificação enviada ao segurado com trinta dias de antecedência. No entanto, o segurado sentiu-se abandonado pela seguradora pelo fato de ter pago os prêmios religiosamente em dia durante todos os anos e depois, quando ficou mais velho, a seguradora simplesmente o descartou em função do aumento do risco.

Destaca-se que o pedido do autor foi julgado improcedente e seu recurso não foi provido pelo TJMG. Mas ele conseguiu reverter a situação na 2ª Seção do STJ, em julgamento apartado (3 a 2). Foi realmente uma batalha que envolveu muita principiologia contratual.

Para a maioria dos ministros, a modalidade de seguro discutida nos autos é um contrato relacional que, segundo Ronaldo Porto Macedo Júnior, pois seu conteúdo não contempla apenas as cláusulas que foram previstas na apólice e nas condições gerais do seguro, mas abrangem, também, os deveres anexos à boa fé (proteção, informação, confiança, lealdade, solidariedade etc). Com tais fundamentos, o STJ manteve forçadamente o vinculo contratual entre as partes.

Mas uma questão fica deste intrigante caso: seria realmente justa a manutenção forçada do vínculo contratual?  Contratar um seguro agora é um casamento sujeito ao dogma da indissolubilidade do vínculo contratual?

7.4.2.         Renovação do Seguro de Vida em Grupo

Ainda quanto à renovação do contrato, a posição do STJ é diversa em se tratando de seguro coletivo (seguro em grupo), como se infere do REsp 1.356.725-RS:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO DE VIDA EM GRUPO (OURO VIDA - APÓLICE 40). NÃO RENOVAÇÃO PELA SEGURADORA. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. NATUREZA DO CONTRATO (MUTUALISMO E TEMPORARIEDADE). EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL. NOTIFICAÇÃO DO SEGURADO EM PRAZO RAZOÁVEL. 1. A Segunda Seção deste Tribunal Superior, quando do julgamento do REsp nº 880.605/RN (DJe 17/9/2012), firmou o entendimento de não ser abusiva a cláusula contratual que prevê a possibilidade de não renovação automática do seguro de vida em grupo por qualquer dos contratantes, desde que haja prévia notificação em prazo razoável. Essa hipótese difere da do seguro de vida individual que foi renovado ininterruptamente por longo período, situação em que se aplica o entendimento firmado no REsp nº 1.073.595/MG (DJe 29/4/2011). 2. O exercício do direito de não renovação do seguro de vida em grupo pela seguradora, na hipótese de ocorrência de desequilíbrio atuarial, com o oferecimento de proposta de adesão a novo produto, não fere o princípio da boa-fé objetiva, mesmo porque o mutualismo e a temporariedade são ínsitos a essa espécie de contrato. 3. Recurso especial da FENABB não conhecido; recurso especial da Companhia de Seguros Aliança do Brasil S.A. provido e recurso especial da ABRASCONSEG prejudicado.
 
7.4.3.    Renovação Automática 
 
Em ambos os casos, seguro individual ou coletivo, somente se admite uma renovação automática. O código civil veda sucessivas cláusulas de recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, a teor do previsto no artigo 774:
 
Art. 774. A recondução tácita do contrato pelo mesmo prazo, mediante expressa cláusula contratual, não poderá operar mais de uma vez.
 
8.       Seguro à Conta de Outrem

O seguro à conta de outrem é uma estipulação em favor de terceiro (art. 436 a 438). O empregador, por exemplo, contrata com uma seguradora apólice de seguro de vida coletiva em benefício de seus funcionários. São três os personagens: o estipulante (o empregador); a seguradora e os segurados (funcionários). Qualquer pessoa também pode fazer um seguro de vida, na condição de segurado, e estipular o benefício em favor de terceiros, uma pessoa da família, por exemplo. Ainda assim, no segundo exemplo, estarão os três personagens o segurado (estipulante), a seguradora e o terceiro (beneficiário).

Nas regras gerais sobre o contrato de seguro há uma específica sobre a estipulação em prol de terceiros:

Art. 767. No seguro à conta de outrem, o segurador pode opor ao segurado quaisquer defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão do contrato, ou de pagamento do prêmio.

Para ilustrar, no exemplo da empresa que contratou seguro coletivo para seus funcionários, ela pode descontar da folha de pagamento o valor referente à participação, total ou parcial, dos funcionários no contrato (prêmio). Neste caso, se a empresa não repassar o valor à seguradora, esta, desde que notifique o estipulante para constituí-lo em mora, poderia negar o pagamento da cobertura ao segurado que sofreu um acidente. A exceção contra o estipulante pode ser oposta ao segurado.

9.       Seguro de Dano

9.1.  Natureza e Extensão da Garantia e da Indenização

O que o seguro de dano tem em específico é que a natureza de sua cobertura é indenizatória, vez que se destina a cobrir um dano patrimonial ou extra-patrimonial. Portanto, toda a lógica do seguro de dano gravita em torno do princípio da reparação integral, previsto no artigo 944 do Código Civil: Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Sendo assim, a regra que abre a seção sobre o seguro de dano (Seção II) é desdobramento deste princípio:

Art. 778. Nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena do disposto no art. 766, e sem prejuízo da ação penal que no caso couber.

Justamente por isso é que se deve proceder à vistoria do veículo, do imóvel, da máquina, ou seja, do objeto que se pretende segurar, para se evitar supervalorizações ou fraudes.

Outra regra diretamente ligada ao princípio da reparação integral é a do art. 781:

Art. 781. A indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador.

Isso quer dizer que o legítimo interesse é avaliado em dois momentos, um na fase preliminar e na conclusão do contrato, para a definição do valor da garantia (coberturas contratuais contra os riscos predeterminados) e outro no momento de pagamento, já que a indenização não poderá ultrapassar o interesse segurado.

Apesar da regra do artigo 781, é possível a contratação de apólices de seguro-auto com valor determinado, pela qual o segurado se protege contra a depreciação do valor do bem.

9.2.  Parcelas Indenizatórias

9.2.1.         Danos Emergentes, Lucros Cessantes e Coberturas Contratuais

O art. 779 cita alguns danos emergentes diretos e indiretos com o sinistro:

Art. 779. O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou conseqüentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa.

Aliás a regra está em sintonia com a do art. 771, p. único: “Art. 771. [...] Parágrafo único. Correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento conseqüente ao sinistro.”

Ou seja, se a cobertura visa garantir principalmente danos patrimoniais, ela deve compreender suas modalidades, os danos emergentes e os lucros cessantes. No entanto, tudo deve obedecer os limites fixados nas coberturas contratadas, que podem ser, dentre outras, de casco, danos materiais a terceiros, danos morais, danos pessoais.

Por fim, deve-se salientar que o pagamento, via de regra, deve ser feito em dinheiro, salvo se convencionada a reposição da coisa. (art. 776)

9.2.2.         Sobre a Cobertura de Danos Pessoais    

Tempos atrás surgiu uma polêmica sobre a extensão da cobertura denominada “danos corporais”. Questionou-se o valor contemplado por ela não poderia ser utilizado para pagamento dos danos morais.

Suponha, por exemplo, que uma transportadora contratou seguro para os caminhões de sua frota, cuja apólice contemplava coberturas para casco, que cobre danos ocorridos nos próprios caminhões, danos materiais a terceiros até o limite de 2 milhões e danos corporais até o máximo de 1 milhão. Suponha, ainda, que um caminhoneiro dessa transportadora atropelou uma senhora que estava na calçada, ferindo-a gravemente. A vítima ingressa pedindo indenização pelos danos causados, materiais e morais.

A pergunta que surge é: a cobertura de danos corporais deve ser utilizada para pagamento das despesas médicas gastas para curar os ferimentos da vítima ou também serve para compensar os danos morais suportados?

Sobre esta polêmica, o STJ editou a Súmula 402: o contrato de seguro por danos pessoais compreende danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão

Realmente a cláusula gerava ambigüidade em saber quais eram os riscos cobertos. Neste caso, entendo que foi correta a posição do STJ, pois como o contrato de seguro é geralmente contrato de consumo, aplica-se o art. 47 do CDC: Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

9.3.  Cosseguro

Em mais uma regra que acompanha o princípio da reparação integral (art. 944), o art. 782 permite a contratação de mais de um seguro para a garantia de um mesmo interesse e contra um mesmo risco, desde que comunique sua intenção por escrito ao primeiro segurador, indicando a soma por que pretende segurar-se, a fim de se comprovar a obediência ao disposto no art. 778.

Isso pode acontecer para um interesse muito alto, por exemplo, de proteção de um estabelecimento empresarial. Um seguro de proteção contra furto, roubo e incêndio para a Ricardo Eletro ou Casas Bahia pode não garantir totalmente o valor do complexo de bens reunidos naquele local (estoque, imóvel, placas, instalações)

O estabelecimento pode estar avaliado em 2 milhões, mas a apólice da seguradora X só cobre a metade deste valor. Sendo assim, desde que o segurado notifique por escrito a seguradora X, poderá contratar outro seguro, no valor de 1 milhão, com a seguradora Y.

Cabe frisar, ainda, que o art. 782 é complemento da regra geral prevista no art. 761 que trata do cosseguro, estipulando que a apólice indicará o segurador que administrará o contrato e representará os demais, para todos os seus efeitos.

O cosseguro, portanto, pressupõe a divisão dos riscos entre as diversas seguradoras contratadas para garantir o mesmo interesse. Ele não se confunde com o resseguro, pelo qual a seguradora que garante o objeto, para se precaver do alto risco envolvido, contrata uma outra seguradora também arcará pelo menos parcialmente com a perda em caso de sinistro.

9.4.  Seguro Parcial de Dano e Redução Proporcional da Cobertura

A regra do art. 783 também obedece à lógica demonstrada acima:

Art. 783. Salvo disposição em contrário, o seguro de um interesse por menos do que valha acarreta a redução proporcional da indenização, no caso de sinistro parcial.

Ela só exige uma proporção entre a garantia que foi estabelecida no momento da contratação e o valor da indenização. O autor Flávio Tartuce tem um exemplo esclarecedor:

Ao mesmo tempo em que a lei admite a cumulação de seguros, nunca superior ao valor da coisa, o art. 783 do CC autoriza o seguro parcial, ou seja, o seguro de um interesse por menos do que ele valha. Nessa hipótese, ocorrendo o sinistro parcial, a indenização a ser paga também deverá ser reduzida proporcionalmente, por meio do que se denomina cláusula de rateio. Vejamos um exemplo prático, a fim de também elucidar essa previsão legal: alguém celebra um contrato de seguro contra incêndio que possa vir a atingir uma casa, um bem imóvel cujo valor é R$ 100.000,00. O valor da indenização pactuado é de R$ 50.000,00 (seguro parcial). Em uma noite qualquer, ocorre um incêndio, o sinistro, mas este é rapidamente contido, gerando um prejuízo ao segurado de R$ 10.000,00. Com a redução proporcional, o valor a ser pago pela seguradora é de R$ 5.000,00. A norma visa a manter o sinalagma obrigacional, a base objetiva que forma o negócio jurídico em questão.(TARTUCE, 2014, p. 646)

Atente-se apenas para o caráter dispositivo da norma, que pode ser afastada ou tratada de modo diverso pelas partes.

9.5.  Sinistro e Vício Oculto do Objeto Segurado. Exclusão Legal de Cobertura

O vício oculto do objeto segurado, assim entendido aquele defeito próprio da coisa, que se não encontra normalmente em outras da mesma espécie, constitui causa de exclusão legal da garantia contratada.

Art. 784. Não se inclui na garantia o sinistro provocado por vício intrínseco da coisa segurada, não declarado pelo segurado.

Parágrafo único. Entende-se por vício intrínseco o defeito próprio da coisa, que se não encontra normalmente em outras da mesma espécie.

Um exemplo encontrado nos precedentes do STJ é o de adulteração de chassi e apreensão do veículo pela autoridade policial. No REsp 38.196/SP, a Terceira Turma do STJ se deparou com um caso da seguinte natureza: uma pessoa contratou um seguro automotivo para o seu veículo, mas em certo dia, possivelmente ao ser parado por uma blitz, teve seu veículo apreendido porque o chassi estava adulterado.

O segurado não sabia de tal situação e por isso não informou o fato ao segurador. No entanto, como a polícia apreendeu o veículo, o segurado queria que o fato fosse equiparado a roubo ou furto para efeito de recebimento da indenização. Mas o STJ aplicou à risca a regra que hoje está prevista no art. 784 do Código Civil. Eis a ementa do julgado:

CIVIL. SEGURO. APREENSÃO DE AUTOMOVEL POR ATO DE AUTORIDADE .ADULTERAÇÃO DE CHASSIS. FATO PRETERITO. HIPOTESE QUE NÃO SE EQUIPARA A ROUBO OU FURTO. NÃO E DADO DESENCADEAR A GARANTIA POR FATO PRETERITO, SE VOLTADA, SEGUNDO A DISCIPLINA LEGAL E O PROPRIO CONTRATO DE SEGURO, A COBERTURA DE RISCOS FUTUROS. PRECEDENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

9.6.  Direito de Sub-Rogação

a)       Previsão Legal

O Segurador tem direito de regresso contra o causador do dano em razão do valor pago ao segurado. Isso porque a lei lhe confere direito de sub-rogação no seguro de dano:

Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

O dispositivo contempla o que já previa a Súmula 188 do STF:

O SEGURADOR TEM AÇÃO REGRESSIVA CONTRA O CAUSADOR DO DANO, PELO QUE EFETIVAMENTE PAGOU, ATÉ AO LIMITE PREVISTO NO CONTRATO DE SEGURO.

Além disso, o Código Civil também dispõe que é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo.

b)       Dano Causado por Cônjuge, descendentes, ascendentes, cosanguíneos ou afins do Segurado

O direito de sub-rogação apresenta apenas uma exceção, prevista no parágrafo único do art. 786, pois se o dano for causada por alguma das pessoas ali indicadas, o segurador, salvo comprovação de dolo, não se sub-rogará.

c)       Sub-Rogação no Seguro de Vida

Não há direito de sub-rogação no seguro de vida. Não se paga uma indenização em caso de morte do segurado, mas sim o capital segurado contratado. A natureza do seguro de pessoa é diferente, pois não protege um dano, mas sim um valor existencial, como a saúde, a integridade física, os direitos de personalidade em geral.

Art. 800. Nos seguros de pessoas, o segurador não pode sub-rogar-se nos direitos e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro.

9.7.  Seguro de Responsabilidade Civil

A apólice das modalidades de seguro de dano, para além da garantia de um bem particular do segurado, pode prever cobertura contra danos causados pelo segurado a terceiros. A proteção a terceiros é própria de uma espécie de seguro de dano: o seguro de responsabilidade civil. Vejamos algumas regras sobre esta modalidade específica:

9.7.1.         Boa Fé na Fase Contratual (Dever de Informação)

A primeira regra sobre o seguro de responsabilidade civil está no art. 787,§1º, que é corolário do princípio da boa fé objetiva. Também é desdobramento do previsto na regra situada na seção I do contrato de seguro, art. 771, no sentido do dever de minorar as conseqüências do ato provocado, norma que se inspira no instituto duty to mitigate the own lost.

No mesmo sentido, o art. 787,§1º dispõe que tão logo saiba o segurado das conseqüências de ato seu, suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador. É evidente, portanto, a exigência do dever de informação, colaboração e lealdade, para evitar que as conseqüências do ato possam se agravar indevidamente, quando poderiam ser evitadas.

9.7.2.         Reconhecimento de Responsabilidade, Confissão, Transação ou Pagamento ao terceiro feito pelo Segurado sem Interveniência da Seguradora.

No seguro de responsabilidade civil, há o receio, da parte das seguradoras, de que o segurado seja forçado a atender exigências absurdas de um terceiro, diante de uma pressão realizada por este.

Pense numa situação em que uma senhora de idade se envolveu num acidente de trânsito com um motociclista jovem, forte, e com personalidade rude. Sem dúvida ele pode pressioná-la a reconhecer a culpa, seja fora ou dentro do Poder Judiciário. Ela pode, ainda, por temer a atitude do motociclista, efetivar o pagamento a ele para depois pleitear o pagamento da garantia à seguradora.

Tendo uma situação como essa no pano de fundo e como inspiração, o art. 787,§2º dispõe que é defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador, como se os atos fossem causa excludente do direito ao pagamento da cobertura contratada.


No entanto, o dispositivo é alvo de severas críticas, e com razão. Afinal, a restrição é excessiva e importa limitação indevida à liberdade do segurado de decidir se vai ou não reparar o prejuízo da vítima. Até porque a pessoa lesada com o sinistro muitas vezes tem emergência de receber as quantias necessárias a suprir procedimentos médicos, remédios, eventuais reparos etc.

Com base neste raciocínio, foi aprovado o Enunciado 373, na IV Jornada de Direito Civil:

373 – Art. 787: Embora sejam defesos pelo § 2º do art. 787 do Código Civil, o reconhecimento da responsabilidade, a confissão da ação ou a transação não retiram do segurado o direito à garantia, sendo apenas ineficazes perante a seguradora.

E o Enunciado 546, na VI Jornada:

Enunciado 546 – O § 2º do art. 787 do Código Civil deve ser interpretado em consonância com o art. 422 do mesmo diploma legal, não obstando o direito à indenização e ao reembolso. Artigos: 787, § 2º, e 422

Portanto, os atos de reconhecimento, confissão, transação ou pagamento, sem interveniência da seguradora, não são causas excludentes da garantia contratual.

Aliás, um precedente atual do STJ, julgado em 21/08/14 e publicado em 03/09/14, fez alusão expressa aos Enunciados do CJF/STJ, o que demonstra a importância deles como fonte interpretativa do direito. Vale a citação da ementa na íntegra:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO DE AUTOMÓVEL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSAÇÃO JUDICIAL ENTRE SEGURADO E VÍTIMA (TERCEIRO PREJUDICADO). FALTA DE ANUÊNCIA DA SEGURADORA. INEFICÁCIA DO ATO. BOA-FÉ DOS TRANSIGENTES. DIREITO DE RESSARCIMENTO. ACORDO VANTAJOSO ÀS PARTES. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO EFETIVO AO ENTE SEGURADOR.
1. No seguro de responsabilidade civil, o segurado não pode, em princípio, reconhecer sua responsabilidade, transigir ou confessar, judicial ou extrajudicialmente, sua culpa em favor do lesado a menos que haja prévio e expresso consentimento do ente segurador, pois, caso contrário, perderá o direito à garantia securitária, ficando pessoalmente obrigado perante o terceiro, sem direito de reembolso do que despender.
2. As normas jurídicas não são estanques, ao revés, sofrem influências mútuas, pelo que a melhor interpretação do parágrafo 2º do art. 787 do Código Civil é de que, embora sejam defesos, o reconhecimento da responsabilidade, a confissão da ação ou a transação não retiram do segurado, que estiver de boa-fé e tiver agido com probidade, o direito à indenização e ao reembolso, sendo os atos apenas ineficazes perante a seguradora (enunciados nºs 373 e 546 das Jornadas de Direito Civil). Desse modo, a perda da garantia securitária apenas se dará em caso de prejuízo efetivo ao ente segurador, a exemplo de fraude (conluio entre segurado e terceiro) ou de ressarcimento de valor exagerado (superfaturamento) ou indevido, resultantes de má-fé do próprio segurado.
3. Se não há demonstração de que a transação feita pelo segurado e pela vítima do acidente de trânsito foi abusiva, infundada ou desnecessária, mas, ao contrário, sendo evidente que o sinistro de fato aconteceu e o acordo realizado foi em termos favoráveis tanto ao segurado quanto à seguradora, não há razão para erigir a regra do art. 787, § 2º, do CC em direito absoluto a afastar o ressarcimento do segurado.
4. Recurso especial não provido. (REsp 1.133.459/RS)

No caso citado, ocorreu a colisão entre um veículo pertencente a uma empresa de mineração e terraplanagem, objeto de contrato de seguro de responsabilidade civil, e uma motocicleta. Como a culpa do condutor do veículo e preposto da segurada estava devidamente caracterizada, as partes tentaram compor extrajudicialmente, mas o motociclista não aceitou o pagamento da quantia de R$ 13 mil e ingressou no Poder Judiciário pedindo quase 2 milhões. No curso do processo foi realizada a transação entre os litigantes, em quantia por volta de R$ 67 mil reais.

Quando a mineradora foi pedir o reembolso dos valores recebeu a negativa da seguradora, com base no art. 782,§2º do CC. De acordo com a seguradora, o segurado descumpriu o dever de colaboração e lealdade, pois a seguradora tem o direito de avaliar os fatos e circunstâncias do caso, pois afinal de contas é ela que vai pagar as contas no final da estória. Essa tese, no entanto, não foi acolhida pelo STJ. Como visto, o próprio acórdão citou os Enunciados do CJF.

9.7.3.         A Denunciação da Lide e o Seguro de Responsabilidade Civil

9.7.3.1.    Obrigação ou Faculdade?

Nos termos do art. 787,§3º, o segurado dará ciência da lide ao segurador, que é realizado por meio da denunciação da lide, espécie de intervenção de terceiros no processo civil (art. 70, III do CPC).

Apesar da redação do art. 783,§3º, que impõe o dever do segurado de dar ciência e do rigor do art. 70, III, que prescreve ser a denunciação “obrigatória”, ela é uma faculdade. O próprio acórdão citado no tópico anterior (art. 1.133.459/RS) é prova disso. Se o segurado é livre para reconhecer, transigir, confessar e pagar, poderá fazê-lo sem denunciar à lide e depois pedir o reembolso à seguradora.

9.7.3.2.    Ação Direta do Terceiro Contra a Seguradora

a)       Presença Concomitante do Segurado no Polo Passivo

É curioso observa a contradição existente no comportamento de certas pessoas. Veja por exemplo a situação do terceiro que move ação diretamente contra a seguradora.

Por um lado, a seguradora se opõe ao acordo feito pelo segurado sem a interveniência dela (art. 787,§2º) e pretende elevar o fato como hipótese excludente do dever de indenizar. Por outro, quando o próprio terceiro propõe ação diretamente contra ela no Poder Judiciári0, ela argüiu preliminar de ilegitimidade de parte por não haver contrato firmado diretamente entre eles.

Ora, se o segurado pagou devidamente o prêmio e a apólice está vigente, a ação direta do terceiro contra o segurado seria uma oportunidade única para discutir e impugnar todas as questões envolvidas no sinistro.

O que se conclui é que não há rigor científico em algumas regras estabelecidas no Código Civil em matéria de contrato de seguro. Algumas normas servem apenas para atender os grupos seguradores do país.

A respeito da ação direta do terceiro, a Quarta Turma do STJ já se posicionou da seguinte forma:

CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. AÇÃO DIRETA MOVIDA POR VÍTIMA CONTRA A SEGURADORA SEM A PRESENÇA DO SEGURADO NA LIDE. IMPOSSIBILIDADE. I. Diversamente do DPVAT, o seguro voluntário é contratado em favor do segurado, não de terceiro, de sorte que sem a sua presença concomitante no pólo passivo da lide, não se afigura possível a demanda intentada diretamente pela vítima contra a seguradora. II. A condenação da seguradora somente surgirá se comprovado que o segurado agiu com culpa ou dolo no acidente, daí a necessidade de integração do contratante, sob pena, inclusive, de cerceamento de defesa.
III. Recurso especial não conhecido. (REsp 256.424-SE)

Acredito que este entendimento pode mudar, pois é possível a existência de casos em que a culpa do segurado está devidamente comprovada por documentos e testemunhas.




b)       Ação Direta nos Seguros Obrigatórios

O Código Civil reconhece a possibilidade de ação direta do terceiro (vítima do sinistro) diretamente contra o segurador, nas hipóteses do seguro DPVAT ou do seguro de incêndio em condomínios horizontais.

Porém o Código cogita a possibilidade do segurador recusar-se ao pagamento da garantia se o segurado, por exemplo, não pagou o prêmio respectivo. É o que se depreende do art. 788 e seu parágrafo único:

Art. 788. Nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado.

Parágrafo único. Demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover a citação deste para integrar o contraditório.

No entanto, o parágrafo único é letra morta em matéria de seguro DPVAT, pois não se procura investigar se o dono do veículo que causou o atropelamento está quite ou não com o pagamento do prêmio obrigatório.

10.    Seguro de Pessoas

10.1.                      Conceito

É a modalidade de se seguro que se destina a cobrir riscos relacionados aos direitos de personalidade do segurado, como a vida, integridade física e a saúde, mediante o pagamento do capital segurado ao próprio segurado ou aos seus beneficiários, conforme o caso.

10.2.                      O Capital Segurado

O valor do capital segurado, ao contrário do seguro de dano, não está vinculado necessariamente a um interesse avaliado pecuniariamente. Os direitos de personalidade não têm preço. O que acontece é que o segurado estima um valor compensatório que possa ajudar a si mesmo ou a alguém indicado como beneficiário, geralmente um familiar.

Portanto, no seguro de pessoas não há limitação do número de seguros sobre o mesmo risco e interesse que o segurado pode contratar. Se ele têm condições de pagar o prêmio é realmente quer se resguardar contra riscos, pode contratar livremente outras seguradoras, conforme dispõe o art. 789:

Art. 789. Nos seguros de pessoas, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos seguradores.

10.3.                      Seguro Sobre a Vida de Outros

10.3.1.      Declaração do Interesse na Preservação da Vida do Outro

O seguro sobre a vida de outros, tratada pelo art. 790, o proponente contrata diretamente com a seguradora uma apólice para um terceiro, podendo ser o próprio proponente o beneficiário ou pessoa diversa. Em qualquer caso, o proponente é obrigado a declarar o seu interesse pela preservação da vida do segurado. Uma transportadora, por exemplo, pode fazer um contrato de seguro de um motorista que vive na estrada, correndo risco de morte.

Em algumas situações este interesse é presumido, quando o segurado é cônjuge, ascendente ou proponente do ascendente. Neste rol deve ser incluído o companheiro, em face do tratamento isonômico garantido pela Constituição aos mais variados tipos de famílias. O Enunciado 186 da III Jornada do STJ chegou a esta mesma conclusão.




10.3.2.      Alteração do Beneficiário

É possível a alteração do beneficiário no seguro sobre a vida de outro desde que preenchidos os requisitos do art. 791 do CC:

è  Se o segurado não renunciar à faculdade ou
è  Se o seguro não tiver como causa declarada a garantia de uma obrigação

Em qualquer caso, a substituição do beneficiário deve ser comunicada ao segurado, sob pena de não produzir efeitos em relação a este, que se desobrigará, pagando o valor ao antigo beneficiário (art. 791, p. único)

10.3.3.      Estipulação de Terceiro Tradicional

O Seguro sobre a vida de outrem pode ser uma estipulação em favor de terceiro. Um pai faz um seguro para o filho e indica a mãe como beneficiária. Todavia, neste caso figuram quatro personagens: o proponente/estipulante, a seguradora (devedora), o segurado e o beneficiário.

O mais comum, entretanto, é que o próprio proponente faça um seguro para si, indicando um terceiro como beneficiário. Aí temos a triangulação clássica – estipulante – devedor – terceiro beneficiário.

10.3.4.      Ausência de Indicação do Beneficiário

Diante de tantos negócios em massa realizados nos dias atuais, muitas propostas de seguro são assinadas dentro de agências bancárias, sendo que, na correria do dia a dia, os proponentes assinam a proposta de seguro sem indicar o beneficiário:

Então, diante da ausência da indicação, a lei estipula que

Art. 792. Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária.

Parágrafo único. Na falta das pessoas indicadas neste artigo, serão beneficiários os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência.

É óbvio que a companheira ou companheiro devem ser incluídos neste rol, pelas mesmas razões a pouco demonstradas.

10.3.5.      Indicação do Companheiro como Segurado e a Polêmica do Concubinato

a)       A Invalidade não se Presume. Exige Previsão Textual Expressa

O art. 793 dispõe que é válida a instituição do companheiro como beneficiário, se ao tempo do contrato o segurado era separado judicialmente, ou já se encontrava separado de fato. Acontece que, com um pouco mais de acuidade, é possível observar que o art. 793, ainda que implicitamente, considera invalida a indicação do concubino como beneficiário.

Mas se não há indicação textual e clara da invalidade, não se pode considerá-la como tal. Assim, entendo que também seria válida a instituição da companheira mesmo na constância da relação conjugal, primeiro porque reconheço a existência de famílias paralelas e segundo porque revela-se indevida a restrição da autonomia privada de escolher aquele que será o beneficiário do seguro.




b)       Precedentes do STJ sobre a Indicação da Concubina como Beneficiária do Seguro de Vida

Há um precedente em que a Terceira Turma não conheceu do recurso especial interposto porque verificou que o TJRS, mediante o exame das provas juntadas ao processo, já tinha reconhecido que a beneficiária era companheira, e não concubina do falecido segurado. Mesmo assim, a relatora deixou suas considerações no sentido de que seria vedada a designação do concubino em razão da necessidade de proteção do casamento. Vejamos a Emenda:

Direito civil. Recursos especiais. Contratos, família e sucessões. Contrato de seguro instituído em favor de companheira. Possibilidade. - É vedada a designação de concubino como beneficiário de seguro de vida, com a finalidade assentada na necessária proteção do casamento, instituição a ser preservada e que deve ser alçada à condição de prevalência, quando em contraposição com institutos que se desviem da finalidade constitucional. - A união estável também é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar; o concubinato, paralelo ao casamento e à união estável, enfrenta obstáculos à geração de efeitos dele decorrentes, especialmente porque concebido sobre o leito do impedimento dos concubinos para o casamento. - Se o Tribunal de origem confere à parte a qualidade de companheira do falecido, essa questão é fática e posta no acórdão é definitiva para o julgamento do recurso especial. - Se o capital segurado for revertido para beneficiário licitamente designado no contrato de seguro de vida, sem desrespeito à vedação imposta no art. 1.474 do CC/16, porque instituído em favor da companheira do  falecido, o instrumento contratual não merece ter sua validade contestada. - Na tentativa de vestir na companheira a roupagem de concubina, fugiram as recorrentes da interpretação que confere o STJ à questão, máxime quando adstrito aos elementos fáticos assim como descritos pelo Tribunal de origem.
Recursos especiais não conhecidos. (REsp 1.047.538/RS)

No entanto, insisto na tese de que não existe a invalidade, pois esta deve ser expressa e o art. 793 não impediu categoricamente – como impede o art. 550 do CC – a indicação do concubino como beneficiário. Além disso, defendo a autonomia privada do segurado, no momento da indicação, e o reconhecimento das famílias paralelas, para que o direito lhes conceda efeitos jurídicos.

10.4.                      Características do Capital Segurado

O valor é impenhorável (art. 649, IX, do CPC) e não se considera herança, para todos os fins. (art. 794)


10.5.                      Transação Sobre o Pagamento do Capital Segurado

O art. 795 dispõe ser nula, no seguro de pessoa, qualquer transação para pagamento reduzido do capital segurado. Ou seja, ou a seguradora se nega, por algum motivo, a efetuar o pagamento ou paga integralmente. A norma do art. 795 estabelece uma regra do tudo ou nada para evitar pressões de toda sorte aos beneficiários que precisam muito do recurso.

Uma questão interessante sobre o art. 795 é saber se a transação realizada no âmbito do Poder Judiciário é válida. O detalhe é que é muito comum a celebração de acordos sobre o capital segurado. Alguns Tribunais fazem até mutirões se for preciso para forçar as partes a tentarem uma composição. O acordo vira festa!

Mas isso não seria um motivo para a seguradora protelar o pagamento com recusas infundadas para depois obter um abatimento com o acordo no Poder Judiciário?

Por enquanto não encontrei precedentes que reconheceram a nulidade do acordo.




EXERCÍCIOS
QUESTÃO 01. Prova: TJ-DFT - 2012 - TJ-DF - Juiz

A respeito dos contratos de seguro, analise as proposições abaixo e assinale a alternativa correta.

I - Conforme entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, ressalvada a hipótese de efetivo agravamento do risco, a seguradora não se exime do dever de indenizar em razão da transferência do veículo sem a sua prévia comunicação.

II - Conforme entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, o contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão.

III - No seguro de vida para o caso de morte é ilícito estipular-se um prazo de carência.

IV - No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

a) Apenas as proposições I, II e IV estão corretas.
b) Apenas as proposições I e II estão corretas.
c) Apenas a proposição III está correta.
d) As proposições I, II, III e IV estão corretas.

QUESTÃO 02. Prova: PUC-PR - 2012 - TJ-MS - Juiz

obre o contrato de seguro, analise as proposições a seguir. Em seguida, assinale a alternativa CORRETA.

I. A seguradora tem direito de sub-rogação legal em face do terceiro causador do dano, pela cobertura dos riscos por este causados ao segurado.

II. Ressalvada a hipótese de efetivo agravamento do risco, a seguradora não se exime do dever de indenizar em razão da transferência do veículo sem a sua prévia comunicação.

III. O contrato de seguro por danos pessoais compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão.

IV. O seguro de vida não cobre o suicídio não premeditado.

a) Apenas as proposições I e III são verdadeiras.
b) Apenas as proposições I, II e III são verdadeiras.
c) Apenas as proposições II e III são verdadeiras.
d) Apenas as proposições I e IV são verdadeiras.
e) Apenas as proposições I e II são verdadeiras.


De acordo com as regras concernentes ao seguro automotivo, assinale a opção correta.

a) A indenização pelo sinistro não pode gerar nenhum proveito ao segurado.
b) Se a esposa do segurado causar sinistro por culpa, o segurador pode sub-rogar-se, nos limites da indenização paga.
c) O contrato celebrado não pode ser transferido a terceiro que venha a adquirir o veículo.
d) O seguro de um bem poderá ser contratado por valor superior ao seu valor atual, mas isso implicará aumento no valor do prêmio.
e) O atraso no pagamento de prestação do prêmio importa em desfazimento automático do contrato, de acordo com a jurisprudência do STJ.


Referindo-se ao contrato de seguro, tendo em conta as proposições abaixo, responda:

I - mediante tal modalidade contratual, o segurador se obriga, através do pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados;

II - o princípio da boa-fé se avulta como de natureza relativa;

III - a minoração do risco no curso do contrato resulta sempre na redução do prêmio estipulado;

IV - o prazo prescricional da pretensão do segurado contra o segurador é de 2 (dois) anos.

a) são verdadeiras as alternativas I, II e III;
b) são verdadeiras as alternativas III e IV;
c) são verdadeiras as alternativas I e III;
d) somente a alternativa I está correta.

QUESTÃO 05. Prova: VUNESP - 2012 - TJ-MG - Juiz

Quanto ao contrato de seguro, assinale a alternativa que apresenta informação incorreta.

a) A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumi- dos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido.
b) Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento da indenização, a garantir interesse legítimo de segurado, contra riscos pretederminados.
c) O segurador, desde que o faça nos 15 (quinze) dias seguintes ao recebimento do aviso de agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.
d) Somente pode ser parte no contrato de seguro, como segurador, entidade legalmente autorizada.

QUESTÃO 06. Prova: FCC - 2013 - TJ-PE - Juiz

No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte,

a) a indenização sempre beneficiará o cônjuge sobrevivente casado sob o regime da comunhão universal ou parcial de bens
b) o capital estipulado só fica sujeito às dívidas do segurado que gozem de privilégio geral ou especial.
c) é obrigatória a indicação de beneficiário, sob pena de ineficácia, revertendo o prêmio pago à herança do segurado falecido.
d) o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.
e) o capital segurado só pode ser pago a herdeiros legítimos, não se admitindo a indicação de pessoa estranha à ordem de vocação hereditária para recebê- lo.

QUESTÃO 07. Prova: VUNESP - 2013 - TJ-SP - Juiz

Acerca do contrato de seguro, é correto afirmar que

a) os credores do devedor insolvente que vem a falecer podem penhorar o capital estipulado em seguro de vida por ele próprio contratado e pago, independentemente de quem seja o beneficiário.
b) por meio desse contrato, que se prova mediante a exibição da apólice ou bilhete de seguro, o segurado, mediante a paga de uma contraprestação, faz jus, na hipótese de se verificar determinado evento, a receber indenização denominada prêmio.
c) no seguro de responsabilidade civil, o segurado não pode reconhecer sua responsabilidade sem anuência expressa do segurador.
d) ao segurado que agrava intencionalmente o risco objeto do contrato a lei impõe multa e redução da garantia prevista na apólice.


No seguro de vida, para o caso de morte,

a) o beneficiário tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida, ainda que no início da vigência do contrato de seguro.
b) proveniente da utilização de meio de transporte mais arriscado ou da prestação de serviço militar pode eximir o segurador e pagar o benefício.
c) é lícito estipular-se um prazo de carência, durante o qual o segurador não responde pela ocorrência do sinistro.
d) não poderá ser instituído para beneficiar companheiro ou cônjuge quando já houver separação do casal.
e) o prêmio será pago apenas se o contrato for conveniado por prazo limitado.